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[CANTO DE LU] Praia de Boa Viagem, meu refúgio recifense

Foto: Luana Rabelo
Por Lu Rabelo*

(crônica escrita em março de 2012, e sempre atual)

Recentemente, na Especialização em Arteterapia, nos foi solicitado que escrevêssemos sobre algum lugar do Recife que para nós tem um significado especial. O primeiro que me veio foi a praia de Boa Viagem. Explico porque.

Meus pais são sertanejos do Pajeú. Eu de Brasília. Mas em casa mesmo só me sinto quando respirando o cheiro da praia de Boa Viagem. Durante minha primeira infância, morando na capital federal, todo ano vínhamos passar as férias no Recife, na casa de tia Zita e vovô Ciço, e a nossa diversão era, claro, a praia. Eles moravam num prediozinho na rua Félix de Brito, chamado Nossa Senhora Aparecida, santa a que tantos anos depois me afeiçoei e que no sincretismo religioso também representa Iemanjá, Orixá do Mar. O cheiro de Coopertone, não o protetor solar, mas o bronzeador, até hoje me lembra essa época. Cheiro bom! Época de muito raspa-raspa e picolé da Maguary.

Foi o mar de Boa Viagem o meu primeiro mar, de brincadeiras nas pedras (arrecifes) e na água, mas também de um inesquecível caldo. Era muito pequena quando o tal caldo se deu. Não sei exatamente o que aconteceu, só lembro que embolei com a quebrada de uma onda na beira, cambalhotando e engolindo água. Traumatizante. Eu que já era medrosa, fiquei ainda mais temerosa.

Já morando no Recife, com cerca de dez anos, outro incidente se deu. Eu residia na rua Ernesto de Paula Santos, num prédio relativamente próximo à praia, e inventei de – numa ânsia de independência – ir sozinha à praia com uma colega do prédio. Fui me sentindo o máximo, achando-me a emancipada. Deu-se que o mar estava cheio e nós entramos para tomar banho. Um redemoinho pegou minha colega. Fui dar a mão a ela e caí nele também. Que sufoco! Foi a vez em que vi a morte mais perto. Nossa sorte foi que na época não havia o Porto de Suape e, logo, os tubarões não vinham para próximo à beira do mar atrás de alimento, o que possibilitava que os surfistas pegassem ondas em toda a costa pernambucana. Pois bem, dois surfistas no salvaram com suas pranchas! Tubarão mesmo não aparecia, só o cheiro de melancia.

Dos 12 aos 15 anos voltei a morar em Brasília. Minha maior alegria era nas férias chegar no apartamento da minha família no Recife, escancarar a janela do meu antigo quarto, e sentir o vento vindo do mar carregado daquele cheiro de sargaço. Cheguei! Dizia a mim mesma num desabafo transbordante de alegria. Foi nessa época também que surgiram os paqueras e ficantes de férias. Fiquei algum tempo com uma paixão platônica por um menino chamado Pedrinho que morava num pequeno prédio à beira-mar. O mar foi testemunha de toda essa fase.

Lembro bem da sensação do vento forte batendo no meu corpo no caminho da praia, quase me impedindo de andar pra frente, quando já estava próxima à avenida Boa Viagem. Amendoim com guaraná, caldinho de feijão e ovo de codorna eram o meu cardápio praiano. Ao invés de canga, a moda era ficar sempre com uma camisa por cima do biquíni.

Pouco antes de completar 16 anos, meu pai – funcionário do Banco do Brasil – novamente foi transferido de Brasília para Recife. O cargo dele nos dava a regalia de morar num apartamento na avenida Boa Viagem. Escolhi logo meu quarto de frente ao Mar, claro. E todos os dias, ao acordar cedinho para ir ao colégio – onde eu deveria cursar o 1º ano do Ensino Médio – ainda deitada na cama, olhava para aquele marzão lindo, colocava o biquíni, a farda do colégio por cima e não ia para o colégio, ia pra praia. Naquele ano (1989), acabei parando de estudar, só regressando à escola no ano seguinte. A praia me era mais vital. Foi nessa época que conheci Doda, grande amiga que estudava no mesmo colégio que eu, mas que também não ia para aula, ia pra praia.

Nos finais de semana, praia ao meio-dia, em frente ao Acaiaca. A moda aí já era canga, não mais camiseta. E não posso deixar de citar as semanas pré-carnavalescas que, apesar das fuleragens, dava pra curtir. Ainda não existia abadá, nem cordões de isolamento. O trio era o Asas da América.

Na praia de BV conheci e vivi amores e desamores. E quando, aos 21 anos, recebi o resultado positivo do exame de gravidez da minha primeira filha, Luana, fui junto ao pai dela sentar nos arrecifes e ouvir os conselhos do Vento e do Mar.

E – apesar de toda sujeira e cada vez menos faixa de areia – é para praia de Boa Viagem que corro ainda hoje quando preciso de paz, sal e sol. O som das ondas emudecem o barulho dos carros e sinto-me consolada e momentaneamente salva da loucura dessa grande cidade que hoje é Recife. Me salva também das agonias mentais e emocionais que vezes me assolam.

* Lu Rabelo é cantadeira arteterapeuta, jornalista e editora do Portal Flores no Ar

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