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‘A Arteterapia é uma busca pelo criativo que existe em todos nós’. Confira entrevista sobre Arteterapia!

entrevista Arteterapia

| Por Maria Júlia Sette |

O potencial de saúde que envolve a arte e os processos criativos estão cada vez mais presentes nos consultórios e espaços terapêuticos do Recife. De acordo com as arteterapeutas Edna Lopes e Cristina Lopes há uma forte efervescência da Arteterapia no Estado. Em entrevista exclusiva ao Portal Flores no Ar, elas contaram sobre a trajetória da Arteterapia no Brasil e em Pernambuco. Confira a entrevista!

O que é Arteterapia?
Edna Lopes – Arteterapia é um instrumento, uma profissão, uma disciplina do conhecimento, uma forma de ajudar na transformação das pessoas. Tem como foco a criatividade e o criativo que existe em todos nós. A gente utiliza o mecanismo das artes visuais para acionar o lugar desse criar na vida, para sair das formas repetitivas. É importante frisar que a palavra Arteterapia não é um conceito que une arte à ideia de terapia utilizada na Psicologia. Utilizamos o termo por falta de outro mais propício.

A quem se destina a Arteterapia?
Cristina Lopes – Ao ser humano. Não há nenhuma contra-indicação, nem de faixa etária, nem de uma especificidade. Existe um tipo de material que é mais adequado a um determinado público, ou outro, uma técnica especifica… Mas é super indicada a todos, justamente porque o ser humano tem como necessidade vital o processo criativo. Tanto para transformações pessoais, quanto para o estímulo ao processo criador, ou educativo.

Quem pode ser arteterapeuta?
Cristina – Para ser arteterapeuta precisa ter desejo de estudar Arteterapia e ter um curso superior em qualquer área; estudar os pontos principais da Arteterapia e atuar. O curso precisa estar de acordo com o parâmetro curricular da UBAAT (União Brasileira de Associações de Arteterapia), que trabalha no cuidado da formação do arteterapeuta, dentre outros pontos.

Edna – Existe muito o questionamento se o arteterapeuta precisa ser psicólogo. É importante reforçar que trata-se de um conhecimento próprio. É uma disciplina que exige uma graduação, mas não precisa ser em Arte ou Psicologia. Usamos de um criativo, mas não segundo os ditames das Artes Plásticas. E o terapêutico não é nos moldes da Psicologia. O que precisa para ser arteterapeuta é ter um desejo de se envolver com processos criativos e ter interesse pela alma humana. É uma busca pelo criativo que existe em todos nós.

No processo desenvolvido pela Arteterapia, um paciente pode levar desenhos e pinturas para o set terapêutico, para uma avaliação, por exemplo?
Edna – É interessante falar sobre essa palavra “avaliar”. Interpretação e avaliação não é a linguagem que a gente utiliza. Isso é da Psicologia. Na Arteterapia, a gente vai vivenciar essa imagem através de outros materiais e compreender internamente.

Cristina – A gente dialoga com a imagem. Pergunta o que ela quer da gente, a gente vive. Nunca o poder está na mão do arteterapeuta. Tudo é compartilhado, vemos juntos o que a imagem quer contar.

Edna – E esse lugar da imagem é muito importante, ele está dentro da relação terapêutica. Não como instrumento usado, mas como instrumento que entra para contar a história dele. Há uma conotação diferente da forma mais usual de lidar com a arte.

A imagem trabalhada é um sujeito ativo?
Edna – É isso, é essa palavra: um sujeito ativo.

A Arteterapia se inspira em pensadores e teóricos?
Cristina – Dentro do campo da Psicologia, a gente bebe muito em Terapia Junguiana. Porque Jung falou muito da propriedade dos materiais expressivos, a leitura dos símbolos, arquétipos e mitos. Isso ajuda muito a fundamentar. Além dos teóricos da criatividade. De uns anos para cá, os nossos referenciais teóricos estão sendo construídos no Brasil. Uma grande pensadora é Ângela Philippini, que foi nossa professora e é um referencial. Ela tem muitos trabalhos publicados. Já faz parte da bibliografia utilizada nos cursos. Importante citá-la pelo conjunto de sua obra no Brasil.

Edna – E dentro das artes visuais, o Expressionismo e a Arte Contemporânea são fundamentais. Porque eles saíram da fôrma e todo material é possível ser utilizado por um artista contemporâneo. E na Arteterapia, também.

Cristina – É importante também citar Nise da Silveira pelo trabalho de vanguarda utilizando arte com pacientes psiquiátricos graves na década de 40, trazendo o potencial de saúde da arte. Dentro dos pensadores no Brasil, ela é uma grande referência na utilização terapêutica da arte e no estudo científico iniciado nesse momento.

Edna – O Museu do Inconsciente, no Rio de Janeiro, criado para preservar as imagens desenvolvidas pelos pacientes da Dra. Nise da Silveira é um importante legado. Para muitos estudos, livros e publicações.

Qual o histórico da Arteterapia no Brasil?
Edna – Em termos formais e acadêmicos, tem início no Eixo Rio-São Paulo. Na clínica Pomar no Rio de Janeiro e em São Paulo no Instituto Sedes Sapientiae. Foram as primeiras instituições que começaram a trazer aterterapeutas de fora para darem cursos. Iniciaram as formações e depois as especializações. Mas no Brasil, em vários estados acontecia de maneira informal. No Rio e em São Paulo houve a sistematização do conhecimento que foi traduzido em formações. Em Goiana, aconteceu a primeira especialização na universidade, por exemplo. Hoje, o Brasil quase todo tem cursos de especialização. No Norte não é muito forte. Mas há muitas publicações e especializações pelo Brasil. Temos uma grande produção nacional, o conhecimento está cada vez mais sistematizado.

Como vocês conheceram a Arteterapia?
Cristina – Durante a graduação de Psicologia senti falta da expressão artística no curso. Senti que estava faltando a alma da Psicologia. E então iniciei a graduação em Artes Visuais. Comecei a ser autodidata, pesquisando no Brasil o que acontecia e então fui ao II Congresso Brasileiro Arteterapia e lá conheci a equipe da Clínica Pomar. A partir de então, comecei a trazer pro Recife a Formação. Tínhamos muitos grupos de estudos aqui, mas a gente precisava de um norte para a Formação em Arteterapia.

Edna – A Arteterapia veio a partir de um trabalho pessoal. Por volta do ano de 1986, veio para Recife uma pessoa chamada Paulo Hindemburgo e foi a primeira vez que ouvi a palavra Arteterapia. Eu já fazia pessoalmente coisas ligadas à arte. Tinha o desejo de trabalhar com as artes plásticas, mas nunca fui totalmente por ai. No contato com ele comecei a pensar e pesquisar sobre o tema. No Recife não tinha nada em português e fui buscando. Outro contato foi com Luís Gonzaga, ele fazia um trabalho na Tamarineira, já pensando a arte pra transformação pessoal. Comecei a trabalhar com pequenos grupos de estudos, depois grupos de formação. E sentimos a necessidade de estruturação desse conhecimento como um caminho profissional. Foi quando em 2000 teve a formação com a Clínica Pomar de Arteterapia e isso ampliou o olhar de trabalho. A arte faz parte da minha vida desde a infância e a Arteterapia veio pra unir arte ao trabalho da psicologia. É isso que é a minha trajetória: arte e conhecimento-corpo.

Quando e como a formação chegou no Recife?
Cristina – Antes do ano 2000 eram grupos de estudos e formações livres. A partir do vínculo com a Clínica Pomar, eu trouxe a primeira formação. Fui aluna do curso e o coordenei ao mesmo tempo. As aulas aconteceram na escola Mater Christi, em Casa Forte. Formaram-se então os dez primeiros arteterapeutas pernambucanos. Esta turma terminou em 2002. Então a clínica Pomar vem ao Recife sistematicamente de dois em dois anos para realizar a formação. Em 2003, eu, Edna e Andréa Graupen fundamos a Traços – Estudos em Arteterapia. Preparamos um curso, dentro dos parâmetros da UBAAT, mas com a cara do nosso estado. Tivemos a oportunidade de regionalizar a formação. Mantemos o currículo básico e incluímos elementos para dar a nossa cara. Fomos a primeira formação no Brasil a colocar uma disciplina de Cultura Popular, por exemplo, no currículo do curso. Além disso, as formações promovidas pela Traços tinham a abordagem da Análise Bioenergética também, principalmente pelo trabalho desenvolvido por Edna. E no ano de 2010 fizemos a primeira turma de especialização ligada a uma universidade.

Pernambuco conta com uma Associação de Arteterapia, a ARTE-PE. Falem um pouco sobre a criação e atuação da ARTE-PE.
Edna – Em 2002, quando terminou a primeira turma com a Clínica Pomar, já havia no Brasil uma necessidade de organizar a Arteterapia para pleitear determinadas questões, como, por exemplo um código de ética, a legalização da profissão. A gente organizou a Associação Pernambucana de Arteterapia em 2002. Eu iniciei como presidente, Cristina como vice, junto com Andréa Graupen e Aline Teixeira. A Associação continua seu trabalho até hoje e agora estou novamente como presidente da Associação. Pernambuco atualmente assumiu a presidência da UBAAT. Cristina, você que está como presidente, fala um pouco sobre a UBAAT e a importância de Pernambuco estar à frente desta instituição.

Cristina – A UBAAT surgiu em 2003 e a ideia era de reunir todas as associações do Brasil para formar um Conselho. Portanto, a UBAAT existe a partir de representações de cada associação que existe no Brasil e cada uma elege dois conselheiros que têm direito de voto. Temos um código de ética e hoje o arteterapeuta tem como avaliar a relevância do curso, se segue os padrões adequados para formação. A UBAAT regula esses parâmetros. Conseguimos também que a Arteterapia fosse incluída na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Isso significa que a pessoa pode ser registrada como arteterapeuta. Nosso trabalho especifico agora é de legitimar a profissão. É importante frisar que as gestões da UBAAT são itinerantes. Já passou pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e no inicio do ano Pernambuco foi eleito e vamos sediar por três anos a UBAAT aqui. Pernambuco sedia mas trata de questões globais.

A Arteterapia já se encontra hoje em todos os Estados brasileiros?
Edna – Se encontra em muitos estados. Tirando a região Norte, todos os estados possuem Formações.

Quais os principais desafios da profissão de Arteterapeuta na atualidade?
Cristina – Tornar a Arteterapia mais acessível à população. Ter concurso público, ter Arteterapia no SUS. Os benefícios são enormes! Alguns Estados brasileiros já tiveram concurso publico para Arteterapia.

Edna – Sair dos espaços privados. É muito importante que atinja a comunidade. Todo conhecimento é legítimo quando a comunidade o reconhece.

Cristina – Hoje em dia já não é estranho falar em Arteterapia. Muitas pessoas já chegam a procurar se tem arteterapeuta em uma clínica, por exemplo. Aqui em Recife não podemos deixar de citar o Hospital Oswaldo Cruz que tem um trabalho pioneiro de Arteterapia com pacientes com câncer e cardiopatas, utilizando literatura, contos de fadas. Lá existe o Castelinho, onde trabalham dois arteterapeutas. Muito bom o trabalho realizado pelo médico e arteterapeuta Paulo Barreto Campelo. Inclui também a Arteterapia dentro da Faculdade de Ciências Médicas, como uma disciplina eletiva. Pernambuco está, portanto, em extrema atividade. Há muitos espaços, por exemplo, nas instituições públicas. Tem arteterapeuta trabalhando na Unidade de Cuidados Integrais à Saúde (UCIS) Prof.° Guilherme Abath, localizada no bairro da Encruzilhada, e no Engenho do Meio, no CIS – Centro Integrado de Saúde. Tem um campo muito rico.

Quais são as formações disponíveis atualmente em Pernambuco e como se inscrever?
Cristina – No site da Arte-PE tem os contatos das formações reconhecidas pela UBAAT. Também no site da UBAAT, com referências nacionais.

Como ter acesso a artigos e publicações sobre Arteterapia?
Cristina – Recomendamos que procurem os sites das Associações. O site da Brasil Central tem a revista Cores da Vida on line que é muito bom. Também tem o site da Clínica Pomar, o da Associação Baiana de Arteterapia – ASBART. Enfim, tem muito material.

Como entrar em contato com a ARTE-PE e com a UBAAT?
Cristina – Ambos através do site. Mas o arteterapeuta pernambucano não vai ter acesso a UBAAT. É um órgão só para conselheiros. Todas as questões locais são direcionadas pela Arte-PE.

Cristina Lopes é Psicóloga (CRP 02/10545),  arteterapeuta, presidente da União Brasileira de Associações de Arteterapia – UBAAT, Mestre em Criatividade pela Universidade Fernando Pessoa – PT. Coordena o curso de Pós-graduação em Arteterapia, em parceria com a Clínica POMAR e faz parte do grupo TRAÇOS – Estudos em Arteterapia.

Edna Lopes é psicóloga (CRP- 02/4739), arteterapeuta, analista em Bioenergética-CBT/ Local Trainer, presidente da Associação Pernambucana de Arteterapia e membro da equipe do curso de Formação em Arteterapia – Recife/PE.

 

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