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[A MULHER NÔMADE] A arte de se perder, e, mais tarde, encontrar-se

[ Tradução do poema “L’arte del perdersi e del poi, ritrovarsi”, de Elena Morando ]

Não é a primeira vez que isso acontece. Comecei aos cinco anos e depois nunca mais parei. Eu gosto de me perder. Mas não em qualquer lugar. Eu gosto de me perder no mato e na mata, perder as coordenadas, em suma, arriscar a não voltar para casa, dizer adeus a amigos e parentes, pra desaparecer. Ou pelo menos, ter a impressão de desaparecer.

Imagine que por um tempo “estou sozinha como a última das mulheres restantes, uma espécie de Eva ao contrário, que não se queixa sobre assuntos triviais relacionados a querer uma maçã ou acasalar com um da mesma espécie”. O caminho nem sempre leva à casa, às vezes longe de casa, você entra em clareiras, prados aparecem, margaridas precoces quebram o verde e os pântanos, sob as aroeiras, entre as murtas, emergindo em lagoas pré-rafaelitas. Se parece a Ofélia, mas são ossos, ossos de animais esbranquiçados pelo sol, um esqueleto inteiro disperso, tem também um chifre, também uma tíbia, como se a morte incluída neste espaço natural já não é mais uma inimiga, mas parte da beleza.

Eu ando e me perco. Uma parte da infância reaparece, é feita das mesmas coisas: ossos esbranquiçados, margaridas prepotentes, pântanos, e, em seguida, fortalezas, estas catedrais em Gallura são chamadas de rochas. Elas são altas, têm buracos, casas, paredes, às vezes covas de animais selvagens, às vezes, cabanas construídas pelo homem. Na pedra acima da cave que parece um muro, é uma pequena casa. Minhas casas perdidas e depois redescobertas, eu poderia ficar aqui por horas só para contemplar e em vez disso continuo, eu chego ao topo, em um território desconhecido do vizinho. Hectares de terra dos pastores, pasto limpo, belo verde o pistache da grama. E mais uma vez, uma sombra, o claro-escuro do muro que envolve toda a fazenda. O que terá sido antes do bloqueio? Um paraíso? Uma terra com uma paisagem em constante mudança que se abre como pequenas janelas-matrioska longe do mar, longe da costa que é quase invisível.

Os índios em Gallura viviam assim, andavam, às vezes olhavam para o mar, outras vezes não. A vista de tirar o fôlego é uma invenção do homem que quer colonizar. Que não quer se perder, que quer comprar.

E assim eles andavam, de um stazzo a outro, essas mulheres e esses homens, esses índios. Esses ancestrais, avós de todos, que conheciam o território na palma da sua mão. Antes da lei do bloqueio, e mesmo depois, não havia espaço inexplorado.

Então, finalmente, depois dessas contemplações e nostalgia, finalmente me perdi. No local impossível onde os caminhos são estreitos e se contradizem, onde você sai de quatro e se arranha. Acho que pedi ao cachorro para me levar de volta para casa. Depois fomos juntos até a rocha mais alta, observando até onde fomos, a soar a gaita de foles, com a concha virada para cima que era usada para chamar, de campo para campo, sobre os bosques e vales. Tomado o caminho, perdi o lenço florido de seda colorida, me escapou como um sonhador polínico, dois ou três versos descascados entre pântanos largos, ossos brancos e margaridas prepotentes. Para encontrá-los novamente amanhã.

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Elena Morando é uma escritora e artista interdisciplinar sarda. Ensina artes marciais na escola “Bozzoli di seta e zampe di tigre”. É gestora de projetos para adultos e crianças ligados a teatro, literatura e artes visuais.
Foto: Alessandro Viganò.”The Eighth Step”, filme de Elena Morando, produção Martin Kunz-K10.

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