‘Eu sou uma mulher’, por Marina Colasanti
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença,
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar,
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo,
olho-d’água escarlate,
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada.
Se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas
e o mar.
Empapa o chão
dos campos de batalha,
respinga nas bandeiras,
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos,
escorre sobre as coxas,
benze o leito.
Manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda
da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.
Marina Colasanti