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[DANIELLA FREITAS] Assédio

Por Daniella Freitas
freitas27daniella@gmail.com

Emergiu, naquela segunda-feira em que estreou o vestido novo. A peça não tinha nada a ver com o ambiente de trabalho. Ah! Pra que vestir-se adequadamente? Era preciso aprender a bancar as escolhas para não voltar a submergir.

Quando o celular tocou, em pleno sábado, atendeu por receio de que fosse algo importante, urgente. A voz dele estava alterada como de costume. “Viu o e-mail que enviei?”.

Era de manhã, e ela estava na loja experimentando o vestido. Sentou no banquinho do provador com as roupas e a bolsa no colo. Ele começou a falar sem parar. Ela apenas concordava. Respondia “sim”, “é verdade”, “você está certo”.

Quis provar outro modelo, apoiando o telefone no ombro, mas o aparelho caiu no chão. “Está me ouvindo?”. Ele passou a falar ainda mais alto. Ela, confusa, não conseguia se concentrar na conversa.

A vendedora abriu a cortina da cabine minúscula e viu a cliente no banquinho, coberta de panos até o pescoço e celular no ouvido. Uma cena risível, constrangedora. A moça se desculpou e saiu. Ela continuou ali, encarando sua imagem no espelho, até o chefe encerrar a ligação.

No dia seguinte, acordou com um aperto no peito, como quem espera por um acontecimento ruim. O coração disparou quando o telefone começou a tocar. Nada poderia ser mais repulsivo do que o som daquela voz, por isso não atendeu à chamada. As ligações continuaram. Depois vieram as mensagens.

Ela precisava de alívio. Deixou o telefone em casa e foi pra rua viver o seu domingo. Só assim, pôde fazer um passeio sem sobressaltos, uma refeição sem o ruído das notificações, uma compra com tranquilidade.

Sabia que era preciso pôr fim à subserviência. Por isso, foi para o trabalho, naquela segunda-feira, decidida a encarar o que viesse pela frente. Tinha certeza que o chefe a chamaria assim que chegasse. Esperava ser repreendida ou coisa pior.

O expediente começou, o tempo foi passando, e nada do ramal tocar. Notou um burburinho no corredor, uma rodinha de pessoas falando baixo. A secretária da diretoria veio ao seu encontro. “Ainda não sabe da novidade?”, perguntou a colega com um semblante aliviado. “O insuportável foi demitido.”

Há pessoas que gostam do embate. Ela era mansa. Havia ensaiado algumas frases de efeito- não estava disposta a engolir mais nada- porém achou bom não precisar usá-las. Retomou as tarefas com um sorriso no rosto. O dia seguiu leve, e ela voltou para casa sem a angústia como companheira.

 

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