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Conheça o álbum ‘Nord’, de Jam da Silva

NORD – o som de um lugar imaginário

Por Caio Jobim
(texto reproduzido do site:http://jamdasilva.com.br/)

A vida na dança: o corpo é o lugar e a vastidão que o circunda, um convite ao deslocamento. Em movimentos ritmados, o ser e o espaço são uma coisa só. Dissolvidos os limites físicos e territoriais, os sentidos vagueiam em um lugar imaginário. Instável, a paisagem oscila entre geleiras e o deserto. A água, em seu movimento ininterrupto sem fim ou destino, vai da lágrima ao cristal num lapso do olhar. O sol da meia-noite é o mesmo que brilha ao meio-dia. Na vertigem do branco que rebate 24 horas a cada instante, Jam da Silva se reconhece como aquele que vai sabendo que um dia irá voltar. Parte com uma sonoridade pressentida, atento às diferentes vibrações. Entre o silêncio e o grito, o espectro acústico é uma imensidão. Todos os sons o convidam a dançar. E ele dança.

NORD é uma provocação ao destino, exílio voluntário em busca de uma aproximação geográfica e sensorial entre dois ambientes díspares e por essa mesma razão complementares. NORD é nordeste, quente, seco, áspero, solar, agreste; NORD é nórdico, frio, caudaloso, brando, sombrio, gelado. Uma região encravada na saudade do que já não é reconhecível e do que ainda é desconhecido.

O segundo disco de Jam – assim como o primeiro, “Dia Santo” – é um acontecimento raro no atual panorama da música brasileira. Percussionista por formação, Jam não presta reverência à canção, mesmo sendo um exímio melodista e consequentemente um hitmaker em potencial, como se pode notar em “Haru” e em “Preto Mulato Branco”. É o ritmo que determina os andamentos, sugere as melodias, inspira as letras. A composição é um processo que brota de uma célula rítmica e só se completa quando todos os elementos sonoros que compõem o arranjo estiverem combinados. Jam parte de um impulso de abertura e expansão. Para ele, qualquer som pode ser instrumento. Desde os movimentos externos da natureza que o instigam à interioridade da voz, reafirmando uma disposição para a reinvenção; para reinventar-se.

Abrindo o disco, “A vida na dança” nos lança no centro desta musicalidade transitória. A guitarra desaba sobre o vazio numa torrente. Reprocessada, dissolve os riffs em notas fluidas. Bateria e baixo explodem em uníssono e tomam rumos divergentes. O ritmo prende-se à terra, propõe o movimento e ao mesmo tempo desorienta. O grave estendido do baixo ecoa o desapego em um impulso ascendente no qual o sintetizador pega carona e se lança em sobrevoo. Logo ali adiante, a linha de baixo persegue a marcação da caixa, enquanto a guitarra desafia a ambos. Não há destino, apenas horizonte. Andarilho, navegante ou em alça de voo, estamos todos numa mesma jornada. Encontros e desencontros darão o tom do porvir.

Originalmente uma ciranda composta em parceria com Maciel Salu, gravada por Elba Ramalho no disco “Qual o assunto que mais lhe interessa?” (2007), “Gaiola da Saudade” levou Jam à Islândia à procura de um elo comum entre o que lhe é mais íntimo e ao mesmo tempo mais distante. Desapegar-se de uma canção antiga para redescobri-la mais sua do que jamais fora. Em Reykjavik, conheceu Samuel Jón Samúelsson. Seu trombone de notas prolongadas distende a melodia em um procedimento totalmente oposto aos ataques característicos dos arranjos de metais de frevos, cirandas e maracatus. Renovada, nos versos a música se assenta em um ritmo pulsante, familiar no que se pode reconhecer como nordestino, para desacelerar em um refrão quase sinfônico, vaporoso como os geisers que dissipam o calor do subsolo em explosões na superfície gelada das vastas e inabitadas paisagens nórdicas. “Para que sentir a dor?/ para que se tê-la/ O sol queima, racha a terra/ e a lua clareia-a”: a saudade é o conforto do viajante. A versão de Jam para “Gaiola da Saudade” alterna-se entre o clima quente da terra natal e a frieza do desterro. A meio caminho surge uma outra paisagem, original. Original no sentido de origem, mas também no de revelação. Esse movimento de aproximação e distanciamento dá o tom de NORD. Afastar-se de si mesmo para desafiar as próprias potencialidades.

A ambiência fria, porém ensolarada, do trombone de Samúelsson também está presente em “Haru”. Aqui, outra vez, o sentido de se distanciar do que é próximo é uma busca por autoconhecimento. “Se perdeu, demorou pra se achar/ se encontrou, mas não pôde segurar/ as coisas que não voltam mais/ há coisas que não voltam mais/ chorou, chorou”, canta Jam. Uma lembrança feliz tem seu lado sombrio no fato de que nunca mais se repetirá. Sob uma perspectiva que aponta para o futuro, o passado incorpora-se à experiência presente redimensionando o tempo e a memória. Assim como o agora, todo o sentimento é passageiro.

A capacidade de transcender fronteiras, internas ou externas, físicas ou mentais, culturais ou geográficas, funda-se na exata medida do movimento empreendido pelo ritmo que caracteriza a música de Jam. Trata-se de um conceito preciso em termos de identidade musical e ao mesmo tempo abstrato porque não alcança uma definição capaz de categorizá-lo. NORD é um disco feito à mão. Solitário em seu artesanato minucioso de timbres, efeitos, colagens e manipulações. Tudo é tocado, todo som é acústico. As máquinas são apenas intermediários entre a ideia e a sua realização. É também colaborativo em seu desejo de reconhecer-se nos outros, permitindo que os músicos convidados possam dar a sua colaboração criativa; de encontrar na diferença reflexos de sua própria identidade.

Embora tenha tido em Juliano Holanda (guitarra, baixo, violão e microkorg) Gabriel Melo (guitarra) e Junior Areia (baixo) a sua banda base, ao longo do processo Jam arregimentou músicos de diferentes formações e origens para participar das gravações. Lucas Santtana adicionou voz e guitarras em “Preto Mulato Branco”, reforçando o acento pop da faixa. O americano Mark Lambert escreveu o arranjo para cordas de “Bem Tranquilo” e o arranjo para trompas de “Brilha Ilha”. Pedro Mibielli, integrante da banda de Marisa Monte, gravou violinos em “Burn the Night” e “Bem Tranquilo”. Marcelo Lobato, tecladista d’O Rappa, toca o harmonium em “Sol da Meia-Noite” disparando notas de brilho variável que dão um tom etéreo e espacial à insone noite branca sugerida pelas intervenções vocais da artista dinamarquesa Mette Moller Overgard.

Entre os parceiros há colegas de longa data como Fabio Trummer, do Eddie, coautor de “Preto Mulato Branco”, e Juliano Holanda, em “Brilha Ilha” e “Bem Tranquilo”, esta assinada também por Gabriel Melo. Outros são fruto de encontros recentes – Luísa Maita, em “Vagueia”, e a cantora americana Lisa Papineau, em “Burn the Night”. Depois de aparecerem juntos na compilação “Brownswood Bubblers – Vol. 4”, organizada pelo DJ e radialista francês Gilles Peterson, Jam e Lisa travaram contato via internet. A admiração mútua tomou forma de música – um lamento policromático de tons crepusculares assentado sobre a base percussiva de um sertão que tem como centro nervoso uma lan house a conectá-lo com o exterior. Esta improvável parceria nasceu através da troca de sons e mensagens virtuais com a cantora, que, em paralelo à carreira solo, gravou com o duo francês Air no disco “Talkie Walkie” (2004), e colaborou com Jun Miyake compondo e cantando uma canção na trilha sonora de“Pina” (2011), documentário sobre a coreógrafa e dançarina alemã Pina Bausch dirigido por Wim Wenders.

Ao fim da jornada, Jam está novamente sozinho. “Diamante das Águas” encerra o disco em uma colagem de sons recolhidos em sua passagem pela Islândia. O único acompanhamento instrumental é a guitarra noise de Zé Nobrega. Os vocais com suas melodias polifônicas sobrepostas gravados em um rádio comunicador são transmitidos de uma ilha remota entre a costa do nordeste e os mares do norte: “vento de manhã vem pra cantar, sem mesmo perceber solta o som no mar”. As ondas sonoras propagam-se sobre o oceano como os feixes luminosos da aurora boreal ao brilhar no céu. A música de Jam põe a natureza a dançar. É só se deixar levar pelo movimento do corpo.

01. [00:02] – A Vida na Dança (Jam Da Silva)
02. [03:48] – Gaiola da Saudade (Maciel Salú/Jam Da Silva)
03. [08:17] – Burn the Night (Lisa Papineau/Jam Da Silva) Feat. Lisa Papineau
04. [12:08] – Haru (Jam Da Silva)
05. [15:11] – Vagueia (Luísa Maita/Jam Da Silva) Feat. Luísa Maita
06. [19:40] – Preto Mulato Branco (Fábio Trummer/Jam Da Silva) Feat. Lucas Santtana.
07. [24:15] – Brilha Ilha (Juliano Holanda/Jam Da Silva)
08. [27:24] – Bem Tranquilo (Juliano Holanda/Jam Da Silva/Gabriel Melo).
09. [31:21] – Sol da Meia Noite (Jam Da Silva)
10. [35:55] – Diamante das águas (Jam Da Silva)

*Produzido por Jam Da Silva

Gravado por André Oliveira na MUSAK- PE
Mixado por Léo D. no Mr. Mouse – PE
Masterizado por Adam Walek no AWR – EUA

Gravações Adicionais:

* Sopros do Samuel Jón Samuelsson no Skurin Studio- Reykjavik, por Jam Da Silva
* Vozes em “Gaiola da Saudade” e “Haru”, por Chico Neves no Estúdio 304 – MG
* Cordas e Trompas em “Bem Tranquilo” e “Brilha Ilha”, por Zé Nóbrega no Estúdio Jimo- RJ.
* “Burn The Night”- Voz do Jam Da Silva, por Marcelo Lobato no Jimo-RJ, Percussões por Lionel Delannoy, no L’Estudio em Marseille e voz da Lisa Papineau, gravada no LP Studio – Los Angeles.
* “Vagueia” -Vozes da Luísa Maita e Jam da Silva + Percussoes, por Guilherme Kastrup na Toca do Tatu- SP
* Voz e Guitarras do Lucas Santtana, em “Preto Mulato Branco”, gravadas por Rafaela Prestes. na Casa do Mato -RJ.
Edições: Damien Seth, Rafaela Prestes, Jam Da Silva, Léo D.

Direção de arte – OESTUDIO
Pintura e Fotografia por Nina Gaul
Selo – Jamueiro Records

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