Fique por dentro das novidades do Flores no Ar!

Arquivos

Flores no Ar Logotipo do Portal Flores no Ar

[CARCARÁ TAROT] Tarô e espiritualidade: os caminhos da Sacerdotisa

Cartas ‘A Papisa’ e ‘A Sacerdotisa’, nos decks de tarô de Marselha e Rider-Waite-Smith, respectivamente.

| Por Aristeu Portela Jr* |

Uma consulente certa vez me disse que tinha sempre muita cautela e respeito ao fazer perguntas ao tarô. Partilhávamos a compreensão de que as respostas que as cartas fornecem são mais significativas na medida em que os questionamentos dirigidos a elas envolvem uma perspectiva de autoconhecimento e abertura para a transformação interior (o que não significa que eu consiga resistir, ou que desmereça o emprego das cartas como ferramenta divinatória).

Essa condição, de quem busca no tarô pistas para entender questões cruciais da vida, foi tornando evidente para mim, ao longo do tempo, a relação possível das cartas com a espiritualidade. Isto é, com aquelas perguntas (talvez mais do que com as respostas?) quase perenes que envolvem definições dos sentidos e propósitos que buscamos construir para nossas existências. Quem somos? Quem desejamos ser? O que buscamos erigir no mundo? Qual o sentido da vida que levamos? Para onde vamos? Por que / para que existimos? “A que será que se destina”, afinal?

Não que dialogar com o tarô em busca de conexões de sentido espirituais seja algo incomum ou novo em si mesmo – a mera iconografia fortemente cristã dos primeiros baralhos na Europa do século XV, ou mesmo sua releitura nos círculos ocultistas a partir do final do século XVIII, já são indícios muito sugestivos nesse sentido; e não é essa também, de certo modo, a força motriz por trás das reflexões de um dos clássicos incontestáveis da literatura moderna sobre o tarô, o “78 graus de sabedoria”, de Rachel Pollack, cujos originais foram publicados no início da década de 1980? Mas, se certas linhas de interpretação estiveram e estão sempre aí disponíveis, talvez possamos confiar que nosso olhar as capta no momento certo em que precisamos delas para construir perguntas e discutir respostas significativas para nós. E assim o tarô se abriu a mim como uma via possível de questionamento da espiritualidade.

‘A Sacerdotisa’ no Tarô de Yala.

Eu já havia decidido que esse seria o tema da nossa coluna, e embaralhava as cartas em busca de um ponto de foco para a reflexão. Por onde começo a pensar a espiritualidade a partir do tarô? – perguntava ao Tarô de Yala, lançado este ano e criado por Mariana Pio, com ilustrações de Rafael J. Trabasso. Recebo com um sorriso de familiaridade o arcano da Sacerdotisa, nesse baralho retratada na figura de Maria Sabina (1894-1985), curandeira e xamã mexicana conhecida por ajudar a divulgar, em meados do século XX, o uso de cogumelos como forma de cura e conexão com o sagrado.

Considerei muito especial que, entre os tantos arcanos maiores que poderiam falar da relação com o divino, tenha sido a Sacerdotisa quem se pronunciou à frente. Há quem a considere uma das cartas mais controversas do tarô (veja, por exemplo, Isabelle Naldony, em “História do tarô”, e Laetitia Barbier, em “Tarot and divination cards”). Afinal, por que os antigos baralhos italianos e franceses a nomeariam a partir de uma figura historicamente inexistente, “A Papisa”? O que se pode deduzir de uma representação feminina da maior autoridade eclesiástica da Igreja Católica? Seria ela uma alegoria da “Prudência”, a quarta virtude cardeal que falta ao tarô (as outras são a Justiça, Força e Temperança), ilustrada em algumas obras dos séculos XV e XVI como uma mulher segurando um livro, assim como nos tarôs antigos? Seja como for, há já desde cedo conexões da carta com as questões da fé, do sagrado, que não se perdem quando a “Papisa” é relida como “Sacerdotisa” nos círculos ocultistas posteriores, e sua iconografia enriquecida com símbolos místicos e herméticos.

Mas o que essa carta pode ter de especial, ao se buscar nela discernimento sobre caminhos espirituais? Ao contrário do Hierofante, a ênfase aqui não está nas instituições que dão suporte a práticas espirituais – o caminho da Sacerdotisa é interno, voltado para si. É um mergulho nas próprias águas, uma investigação das forças (impulsos, desejos, padrões, sentimentos…) muitas vezes inconscientes que falam em nós. Mais do que respostas, o convite dela é para que entendamos quais são as questões que nos movem, que desejamos e precisamos responder para construir sentidos satisfatórios para nossas vidas. Por isso ela é o arcano do inconsciente (e dos sonhos como expressão deste), do não-revelado, dos segredos, do que se oculta e só é acessado com algum custo. Quais as perguntas que você deseja/precisa responder para que sua vida tenha sentido? – ela parece dizer, sentada diante do templo.

E é um templo muito particular que a Sacerdotisa guarda. O acesso ao que se oculta atrás do véu – às nossas perguntas e respostas significativas sobre os sentidos da vida – não se dá propriamente por meio da razão. Aqui, é a intuição que possibilita um entendimento verdadeiro. É o dar livre curso a sensações, emoções, desejos difíceis de expressar em palavras, na medida em que lidam com dimensões da nossa existência para as quais a mente consciente e racional nem sempre dispõe de chaves de interpretação. Por isso é um caminho de investigação íntimo, particular a cada pessoa, que não pode ser ensinado (como o caminho do Hierofante diante de seus discípulos) – dada a inexistência de uma resposta universalmente válida –, mas apenas descoberto por si.

De forma apenas aparentemente paradoxal, é nesse mergulho em si que a Sacerdotisa nos permite reconstruir a conexão com uma realidade que nos transcende. Afinal, nossa viagem aos recônditos mais interiores do ser, em busca das respostas singulares para as questões de sentido e propósito da vida, de certo modo não nos conecta com todos os seres que, de forma mais ou menos consciente, estão realizando a mesma busca, cada qual do seu modo particular? A Sacerdotisa é dita guardiã dos conhecimentos sagrados – e não poderíamos definir assim a conexão que nos une enquanto seres em busca de sentidos para a existência?

A espiritualidade, na Sacerdotisa, não reside na representação de entidades sobre-humanas que governam os destinos do mundo. Mas, talvez, no reconhecimento do aspecto sagrado da nossa busca por tornar essa existência significativa. De que, no entendimento dos nossos propósitos mais íntimos, encontraremos caminhos para tornar nossa vida mais genuína e acolher as demais pessoas, também envolvidas em suas respectivas buscas.

Se a enxergarmos assim, a jornada da Sacerdotisa é um caminho de decifração do sagrado na vida. Talvez o grande Mistério que ela guarde na entrada do templo seja a atitude de abertura para fazer os questionamentos sem os quais a vida restaria inócua de sentido. Seu convite é para o mergulho íntimo que nos possibilita a construção dos propósitos que podem satisfazer nossas existências – e o reconhecimento de que partilhamos coletivamente, cada qual na sua singularidade, essa busca.

 

*Aristeu Portela Jr. é tarólogo, pesquisador e professor. Integra a Carcará – Escola de Tarot, e atua com o tarô como ferramenta de auto investigação e transformação.

Fone / WhatsApp: (81) 996093294
Instagram: @carcaratarot | @aristeuportela

Leave a comment