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[GALERIA] A arte de Domingos Sávio (Frei Mingo)

Vida na vila (Nanquim e Aquarela, 1996)
"Consegui conciliar a vida artística e religiosa. Meu apostolado sempre foi a arte.”
 Frei Domingos Sávio
Lágrima, 2007
Lacrima (Acrílico sobre tela, 2007)

| Por Lu Rabelo – Editora do Portal Flores no Ar |

Esses dias, arrumando minhas papeladas, encontrei o catálogo da mostra ‘Ensaio de uma utopia – a arte de Domingos Sávio’. A publicação é referente à exposição-tributo que aconteceu em novembro de 2014, no Convento de São Francisco, em Olinda, em louvor à arte do frei Domingos Sávio, falecido no dia 15 de agosto daquele ano. O Portal Flores no Ar foi um dos apoiadores do evento.

A mostra, composta por pinturas e desenhos, trouxe ao público um panorama da produção do religioso, uma coleção plural e vasta, só então revelada ao grande público. Todo o acervo foi inventariado pelo grupo de pesquisa liderado pela produtora paulista Marleth Reis. A iniciativa foi ideia de Jayro Melo, amigo de Frei Mingo.

“A arte de Domingos se move entre a atitude crítica de indignação diante das injustiças e a esperança de uma sociedade mais igualitária”, opina o curador Roberto Ploeg, artista plástico e teólogo holandês.

Autodidata, frei Domingos Sávio – apelidado pelos amigos de Mingo – deixou obras figurativas bem singulares. Costumava explorar temas como sustentabilidade e consciência ecológica, antes mesmo de se tornarem assuntos globais. E sempre se debruçou pela investigação das figuras humanas. Abordou a fé e o cotidiano dos agricultores rurais, na mesma medida em que admirava a iconografia e o gestual das manifestações populares nordestinas ou mesmo temas como sexualidade e feminismo.

Maracatu (Acrílico aguada sobre tela, 1991)

Frei Mingo tinha a saúde comprometida por uma doença degenerativa que começou a paralisar seus movimentos a partir dos 33 anos de idade, em meados dos anos 1990. O pintor deu vazão, até onde pode, ao desejo de pintar, desenhar, criar poemas e crônicas, de explorar o cotidiano com seu olhar crítico. Retratou na arte a prática libertária de discurso. Ele chegou a acompanhar algumas fases do projeto da exposição com entusiasmo, mas a doença não permitiu que chegasse até a noite de abertura da mostra, no convento que o abrigou como seminarista.

 

 

Saiba mais sobre o artista no texto abaixo!

Frei Mingo (Foto: Moisés Moraes)

Domingos Sávio Menezes Carneiro nasceu no município de Barreiros, na zona da mata sul pernambucana, no dia 5 de julho de 1961. Desde criança revelava gosto pela arte e se inspirava no cotidiano para criar seus desenhos. Alfabetizado em casa, pela mãe, sempre contou com o apoio da família para desenhar.

O artista recordava: “Minha primeira infância, como filho caçula de uma grande e sólida família, foi vivida no campo, num antigo engenho cujo nome atiça bastante o imaginário: Serra D’água. A firmeza de uma serra feita da insustentabilidade da água”.

Com o passar dos anos suas obras foram ganhando mais complexidade e senso crítico, explorando técnicas e materiais variados. A produção artística de Domingos Sávio mostra versatilidade e riqueza de detalhes, em especial nas criações de grandes painéis temáticos.

Arte em papel 05 (1992)
Arte em papel 05 (1992)

Domingos definia sua obra tanto em termos técnico-artísticos como intuitiva: “Não possuo nenhuma formação acadêmica. Sou um autodidata e um observador atento do trabalho dos outros artistas, mestres ou não. Nesse sentido, carrego influências diversas e imprecisas. Faço de cada experiência uma obra e de cada obra uma experiência”.

O ato de escrever aparece como outro talento do artista que em suas palavras descreve: “sempre aproximei a escrita do exercício da pintura. Procurava dar aos textos um tratamento estético que nascia lenta e dolorosamente da cabeça e das mãos”.

Em 1984, depois de uma curta experiência como desenhista publicitário em Recife, ingressou na Ordem dos Frades Menores, abraçando a Vida Religiosa Consagrada. A partir da entrada na vida religiosa, e em contato com a Teologia da Libertação, fez da temática social uma constante no seu trabalho. “Passei a ser um ilustrador de intuições e ‘gritos de guerra’ para muitos Movimentos Populares, Pastorais e ONGs espalhados pelo Brasil. Os trabalhos são em geral de cunho pedagógico ou promocional”, afirma Domingos.

Arte em papel 10 (1992)
Arte em papel 10 (1992)

No 6º Encontro Intereclesial de CEBs, ocorrido em 1986, em Trindade (GO), Domingos participou da fundação do MARCA (Movimento dos Artistas da Caminhada), reunindo talentos de várias partes do Brasil e de diversas linguagens. Em suas palavras, “o MARCA se caracteriza pelo engajamento sócio-político, numa perspectiva transformadora”. Em 1992, o grupo foi convidado por uma Associação do norte da Itália para participar de encontros e oficinas, em um intercâmbio entre artistas brasileiros e os mais diversos grupos italianos. Assim, o trabalho do artista pernambucano chega à Europa, para onde retornou nos anos 1993 e 2007.

A Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina (Cehila) foi a oportunidade que Domingos teve como artista plástico de conhecer outras culturas da América Latina e enriquecer suas obras (México, 1990 e 1996; Peru, 1994; Guatemala, 1996). “Consegui conciliar a vida artística e religiosa. Meu apostolado sempre foi a arte”, declara Domingos.

Parte do seu acervo está guardado em São Paulo, onde participou durante 12 anos não consecutivos (1988 a 2001) do Curso de Verão do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e à Educação Popular (Cesesp), realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, onde produziu e criou coletivamente os painéis temáticos dos encontros anuais. A arte era pensada de acordo com o tema proposto e decidida pelo conjunto de artistas que a produziam, destacando presenças constantes de artistas plásticos como Adélia Carvalho, Anderson Augusto, Helda Broilo, Fernando Marinho. Sua contribuição era dada também em intervenções artísticas como caricaturas, charges e tirinhas.

Montezuma e Cortez (Acrílico sobre tela, 1991)

Domingos teve que parar de pintar por conta da perda dos movimentos da mão direita, por volta dos 33 anos, época em que se descobriu portador de uma doença degenerativa rara, a Siringomielia. A doença é caracterizada por uma lesão cística na medula, que faz o paciente perder gradativamente os movimentos do corpo. O Frei ainda tentou se adaptar a trabalhar com a mão esquerda, mas ela também já se encontrava bastante comprometida.

Conhece a ti mesmo (Acrílico aguada sobre tela, 1997)

Sem condições de expressar seu talento na pintura e desenhos, ele investiu na escrita, como nova forma de expressão, fazendo dos fatos cotidianos sua maior fonte de inspiração. “O processo de escrever é prazeroso, é uma arte, é compor harmonicamente”, afirma Domingos.

No início de 2013, começou a ser desenhado o projeto de exposição que reuniria parte do acervo artístico do frei franciscano para apresentação ao público. A princípio seria uma surpresa, mas logo o pintor e desenhista percebeu o movimento em torno dele e de sua produção. A partir de então e até o início de 2014, envolveu-se também ele no projeto de mapear as obras doadas mundo afora, vasculhar o acervo pessoal, receber amigos interessados em parcerias para o projeto. Na época, residia no Convento Santo Antônio, no Recife.

Em agosto de 2014, aos 53 anos, Frei Domingos Sávio foi levado ao hospital onde permaneceu internado, com complicações urinárias. Partiu dormindo, no dia 15 de agosto, como havia desejado, sem intervenção de aparelhos.

"O artista plástico é a criança que nunca parou de pintar."
 (Frei Mingo)

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