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[CAIXA DE PANDORA] Redes Sociais e a Sombra

Por Juliana Florencio* |

Muito têm-se criticado os usos das redes sociais como forma de exacerbação do narcismo, maquiagem da realidade e até criação de realidades, enfim, tudo que cabe no universo virtual.

Essas redes, como o nome já diz, são sociais e refletem o que acontece na vida “real”.

Desde sempre assumimos papéis para viver em comunidade e isso é necessário para a perpetuação da nossa existência. Para isso, adquirimos personas. Precisamos de mães, de pais, de agentes da lei, de trabalhadores, de cuidadores, de pesquisadores e precisamos também de diversão, de arte, de beleza, de política, de religião, etc. Enfim assumimos essas personas conforme a vida nos oferece, outras vezes impõe ou apenas permite.

Parte das pessoas consegue lidar bem com suas personas, entendendo a responsabilidade que elas acarretam, sem “colar” e nem se perder nelas. Tais indivíduos compreendem que existe mais de si mesmo para além desses papéis. Uma pessoa saudável tem sim um compromisso com que se espera dela (e ela mesmo espera de si), mas não está totalmente identificada a ponto de enrijecer-se.

Acontece que nessas redes temos um maior controle, pois escolhemos o que publicamos e temos a possibilidade de edição.

Nesse universo virtual é mais fácil deixar algumas personas em maior destaque e aprimorá-las. Evidenciam-se muitas, por exemplo, as de politicamente engajados, saudáveis, protetores de animais, da natureza, pessoas de família, amigos “pro que der e vier”, profissionais competentes, religiosos, holísticos, “vida louca”, sensuais, bon vivant, baladeiros, fashionistas, especialistas em vinhos, superbonitos, viajantes, etc.

Porém, fora das redes estamos expostos… e sem edição. Nem sempre saímos tão bonitos de casa, ou magros ou com a pele ótima. Ficamos vulneráveis ao olhar dos outros e estes têm a possibilidade de nos pegar no deslize de não estarmos “photoshopados”.

Quando estamos na mesa de um bar, nós feministas, podemos fazer um comentário distraído e sermos pegas no nosso próprio machismo.

Aquele pai de família das fotos lindas da esposa e dos filhos pode ser visto paquerando na praia.

O religioso motorista pode ser flagrado amaldiçoando o pedestre.

A supermãe que perdeu a paciência e deu uma palmada no filho que esperneava no shopping pode ser observada.

No mundo das relações não editadas podemos, através do olhar do outro, ser pegos nas nossas próprias sombras. Sim… aquela parte que todos temos e não queremos olhar para ela.

Isso cabe só no mundo virtual? Claro que não! Mas as possibilidades de edição nos entorpecem sobre a nossa própria inteireza o que inclui nossos aspectos sombrios.

A quem nós queremos convencer com tantos recursos de melhoramento de imagem ou defesas apaixonadas, muitas vezes intransigentes, de causas e bandeiras?

Por que numa reunião entre amigos ou família ficamos o tempo todo conectados às redes sociais?

Talvez seja mais atraente o meu eu editado se relacionando com o mundo editado.

E colocamos nossa humildade em risco…

Humildade não é sobre se colocar abaixo dos outros, como aprendemos, mas é estarmos inteiros em nossas potencialidades e fraquezas.

Colocamos, também, nossa tolerância em risco. O exercício de conviver com um outro também inteiro.

Estaríamos nos editando para nos entorpecer?

Para não lidar com inteirezas?

Para não entrar em contato de fato?

Para não nos transformar?

* Juliana Florencio é psicóloga, arteterapeuta e terapeuta do Jogo da Areia (em formação). Atualmente mora na região de Stuttgart, Alemanha, onde realiza seus atendimentos.
Email: juflorenciocs@gmail.com

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