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[CAIXA DE PANDORA] Quando nem tentamos

Por Juliana Florencio* |

Existem pessoas que não tentam… que quando há a oportunidade de fazer algo novo, não fazem…

É um tipo de receio que paralisa. Sim… sentir medo faz parte da natureza humana e isso, em si, não é um problema. Ao nos depararmos com a possibilidade de uma mudança, sentimos uma certa insegurança, afinal estamos saindo da nossa zona de conforto, do que conhecemos.

Neste texto eu gostaria de falar sobre as pessoas que nem tentam, por um motivo específico: manter uma ilusão sobre suas próprias capacidades.

Somos fruto de uma educação onde o teórico é superestimado em detrimento da prática. Todo nosso sistema educacional dá-se por teoria. Nada contra teoria, pois esta é parte importantíssima para o desenvolvimento do conhecimento. Mas aprendemos química sem experimentar pipetas, sabemos dos elementos apenas por uma tabela periódica. Biologia sem sequer plantarmos um feijãozinho. Português e literatura sem podermos nos expressar. Redação apenas pra passar no vestibular/ENEM. História sem nos implicarmos. Física e matemática, nem se fala…

Ou seja, não vivemos o que aprendemos. Na verdade, aprendemos a acreditar… sim, nas teorias. Não “aprendemos a aprender” com as nossas experiências, com as nossas vivências, sentimentos, percepções, intuições, com nossa própria ação. Tais conteúdos e habilidades precisam ser vividos, precisam ser contruídos na prática. Necessitam ser reformulados a partir dos erros. Gerar transformações através do fazer.

Este tipo de educação corrobora para manutenção de um tipo de neurose: o de não fazer para não pôr em xeque as supostas capacidades.

O uso das redes sociais – como escrevi anteriormente nesta coluna em Redes Sociais e a Sombra e Redes Sociais e Não Presença – intensificam esta forma de viver, pois além do tempo gasto, as pessoas podem se editar – potencializando a ilusão sobre si – além de facilitar o descolamento dos próprios aspectos sombrios.

Este tipo de alienação de si mesmo fica explícito neste trecho que Jung escreveu:
“Ha muitas pessoas que ainda não nasceram. Todos parecem estar aqui, andam – mas, na verdade, ainda não nasceram, porque estão por trás de uma parede de vidro, estão no útero. Eles estão no mundo apenas em liberdade condicional e em breve serão devolvidos ao pleroma onde começam originalmente. Eles não formaram uma conexão com este mundo, eles estão suspensos no ar. Eles são neuróticos, vivendo o provisório da vida.” (Seminário Kundalini)

Outro aspecto negativo, deste tipo de personalidade, é o julgamento. Como essas pessoas não falham, exclusivamente porque não agem, têm uma tendência a julgar os que se expõem, ou seja, os que fazem e estão na vida para errar, aprender e, então, realizar o que se propuseram. Dentro desses julgamentos observamos a projeção da sombra, pois a inveja se manisfesta.

Por detrás de um pensamento “eu faria melhor”, existe a angústia de ver de camarote a própria vida passar. Sim, isto é um terreno fértil para a inveja e a fofoca. Afinal, além das projeções, existe muita energia de vida não utilizada.

Tais pessoas resistem à possibilidade de se expor, de errar. Não experienciam a humildade de ter que refazer estratégias e, então, buscar forças para continuar tentando em meio às adversidades. Tão pouco reconhecem a necessidade de pedir e receber ajuda.

Evitam, principalmente, caírem em si e tomarem consciência de que aquelas ideias maravilhosas, aquele projeto de vida, talvez não sejam tão viáveis e que, talvez, não possuam todas aquelas capacidades imaginadas.

Excessos de idealização, de racionalismo, de teoria nos afastam do fazer diário, do trabalho do dia-a-dia, do ousar começar algo novo e permanecer neste caminho. Afinal, a vida acontece durante o caminhar, enquanto desconstruímos e reconstruímos a nós mesmos.

Neste sentido a arteterapia é bem importante. A materialização, através dos recursos expressivos/artísticos, de ideias, sonhos, sentimentos, emoções, nos permite a aproximação com a realidade e o acesso ao poder transformador da arte.

Quando nem tentamos, é quando não fazemos para manter o ego na ilusão de onipotência. A triste ironia é que caímos no oposto: a impotência.

Termino este texto citando Joseph Campbell:

“Precisamos estar dispostos a nos livrar da vida que planejamos, para podermos viver a vida que nos espera. A pele velha tem que cair para que uma nova possa nascer.”

Ficar sem pele não é nada confortável… mas vale a pena para a realização da vida.

* Juliana Florencio é psicóloga, arteterapeuta e terapeuta do Jogo da Areia (em formação). Atualmente mora na região de Stuttgart, Alemanha, onde realiza seus atendimentos.
Email: juflorenciocs@gmail.com

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