[CAIXA DE PANDORA] Redes Sociais e Não Presença
| Por Juliana Florencio* |
Existe a crença de que quem não faz parte de redes sociais está fora, está desconectado.
Dessa forma, seria interessante perguntar: está fora de que? Está desconectado de que?
Através das redes sociais temos acesso a informações de nosso interesse, afinal escolhemos as pessoas, páginas e perfis que seguimos. Podemos entrar em contato desde notícias locais até mundiais, bem como assuntos que nos interessam mais pessoalmente, como profissionais, relacionamentos, artes, hobbies, política, entretenimento, animais, natureza, beleza, bem-estar, saúde, “faça você mesmo”, etc., etc., etc.
Podemos, também, acompanhar pessoas públicas e interagir com nossos “amigos”, “seguidores” e afins.
Além disso, há a possibilidade de nos relacionar com novas pessoas, através dos aplicativos de encontros (afetivos, sexuais ou afetivo-sexuais).
Ora, esses são bons motivos para “estar conectado”. Estas tecnologias ampliam horizontes, alargam possibilidades, trazem o conforto do estar em casa… ou… em qualquer lugar que se queira, ou seja possível.
Eu quero abordar neste texto a questão do excesso, da falta de limite, do se perder no ecrã e do entorpecimento. (Obs.: Já abordei o tema, sob outra perspectiva, no artigo “Redes Sociais e Sombra”, desta mesma coluna.)
O que temos presenciado e vivido é o estar disponível quase que inteiramente aos “chamados” das redes (notificações, chats, etc.). Este estado de “estado de disponibilidade” tem algumas implicações bem importantes. Eu vou abordar duas que nomeei: O “estado persistente de alerta” e “o estado de não-presença”.
O “estado persistente de alerta” nos leva à vivência de que algo pode acontecer a qualquer momento. Este suposto importante evento, pode ser desde uma notificação até a sensação de estar perdendo algum conteúdo, algum acontecimento no ecrã. A sensação é de não acompanhar… “estar fora”, “desconectado”. Na busca de amenizar esta ansiedade, a pessoa checa inúmeras vezes os aplicativos.
O “estado de não-presença” é acarretado pela sistemática interrupção por notificações e pelo próprio “estado persistente de alerta” que levam o usuário a deixar os afazeres para entrar nas redes sociais. Ou seja, ele desconecta – de tarefas, diálogos, pensamentos, e outras interações – para se “conectar” aos aplicativos.
Temos implicações importantes para esses fenômenos. Eu li recentemente um estudo o qual dizia que temos sonhado menos ultimamente, por dificuldades para entrar no sono REM, devido à grande exposição à luminosidade dos ecrãs e ao aceleramento da mente pelo “bombardeio” sensorial e informativo. Além da questões sobre a qualidade do sono, como psicóloga, isso me chama atenção dada a importância dos sonhos para a psique.
Outro aspecto importante é o não aprofundamento em temas, e mesmo em relacionamentos, dada a intensa exposição a estímulos. A quantidade de informações nos fazem desviar o foco constantemente. Ou seja, entramos em contato com muito pouco, de muita coisa ao mesmo tempo.
Nos perdemos dos nossos próprios interesses pelo chamado da próxima postagem… para não estar “de fora”….
Nessa última semana, visitei duas livrarias e percebi que as áreas de assuntos específicos (como Psicologia e Artes, no meu caso) tinham diminuído consideravelmente. Não pude deixar de fazer a correlação com o uso das redes sociais. Além do mais, o tempo gasto nestas, limita a realização de outras atividades.
Dessa forma, o conceito de “Titanismo” torna-se pertinente. Titanismo é caracterizado pelo excesso…. Falta de sentido preenchida pelo excesso.
A voracidade no consumo de informações gera um desvio do processo criativo e do fluxo das imagens do coração (Florencio, 2014). Isso quer dizer um desvio de nós mesmos.
“(…) o sofrimento titânico, que é vazio, existencial, repetitivo e carente de qualquer possibilidade de reflexão e de consciência” (López Pedraza, p.75)
O excesso de informação acaba retirando energia psíquica (e tempo!) de outras esferas importantes, da mesma forma que o esvaziamento de nós mesmos gera uma voracidade pelo consumo de informações. Ou seja, é um mecanismo de retro-alimentação.
Concluindo, redes sociais têm um potencial de informação e conexão bastante interessante, o problema aqui levantado é seu uso excessivo e desconectado das próprias necessidades pessoais e de vida.
Afinal…
A alma precisa de silêncio para se saber.
A alma precisa de silêncio para se guiar.
A alma precisa de silêncio para se fazer.
Referências:
– FLORENCIO, J. O coração que renasce entre dores e cores, 2014.
LÓPEZ-PEDRAZA, R. Dioniso no Exílio – sobre a repressão da emoção e do corpo. São Paulo: Paulus, 2011.
* Juliana Florencio é psicóloga, arteterapeuta e terapeuta do Jogo da Areia (em formação). Atualmente mora na região de Stuttgart, Alemanha, onde realiza seus atendimentos.
Email: juflorenciocs@gmail.com