Fique por dentro das novidades do Flores no Ar!

Arquivos

Flores no Ar Logotipo do Portal Flores no Ar

Inconscieficente

Por Maviael Melo

Ele nem ia escrever mais nada, tinha passado da hora, tinha perdido o desejo e faltado à escola naquele dia. Nem mesmo saberia dizer o que queria escrever. Sabia sim, falar do tempo perdido, sabia assim dizer do tempo sonhado, mas não queria estar sabendo. Na verdade, naquela manhã não queria mesmo era saber de nada. Era uma manhã de Sol ardente e normal, com um Sol nosso de cada dia, efervescente… E essa coisa de se dizer na verdade, é pura literatura. Naquela manhã de fato, reprisava na TV uma série comemorativa da Paixão de Cristo; era o período da quaresma: – “O que é a verdade? Onde está a verdade…? Existem tantos homens com opiniões contraditórias, que julgam apregoar a verdade. Onde está afinal a verdade?”

Essas palavras de Pôncio não lhe diziam nada também. Desligou a TV e foi ao quarto de sua mãe, a cama estava feita. Ou nem tinha sido desfeita.

Havia dormido fora?

Pensou! Ou, quem sabe, nem tivesse dormido. Estava a visitar alguma tia, quem sabe não havia, enfim, resolvido sair para uma balada como ele sempre insistia, cansado de vê-la ali, pensando no tempo e cuidando dele como se ainda fosse aquele menino de quatro anos, como se ainda o acompanhasse pela calçada, enquanto se aprendia os primeiros passos, ou tentando protegê-lo das primeiras quedas ao andar de bicicleta, assoprando em cada raladura de joelho.

Coisas de mãe, que havia um tempo, já vinha percebendo que algo mudara nos ares da casa e no menino, com seu desejo intenso de sair no mundo e flutuar, como nos momentos em que se ausentava por eternos minutos, deixando-a preocupada. Sonhava países distantes e povos diferentes, línguas e hábitos, outras culturas, fazia viagens imaginárias e isso também a intrigava, para ela, um passado presente se mostrava nas atitudes do filho, algo ali memorava um tempo bom. Mas isso é a história dela.

O menino. Ganhara de Marcelo, o padrasto, uma biblioteca razoável para a sua idade. Duas pranchas: Portas reutilizadas de um guarda-roupa velho de seu avô, que formavam um grande L na parede do seu quarto, onde algumas veredas de Guimarães dialogavam com capitães, das areias de Jorge, o tão amado, sempre a se perguntar: E Agora Drummond? Cadê José? Isso em um pouco mais de 300 títulos cuidados zelosamente por quem, além de gostar, se dera, e era pelas palavras, muito além do seu tempo. Em andamento, à leitura de um certo Irmão Alemão, que Chico contava, (imaginara também ter um irmão por aí, e não o queria Alemão, nem Argentino). Visualizava em seus instantes inertes, montanhas a percorrer, em trilhas repletas de conhecimentos. Se percebia dentro de uma floresta de letras e palavras. E, em cada passada uma nova letra a se transportar e misturar-se a outras, criando ali suas palavras únicas e pessoais.

– Alguns (*)Desacebispoconstantinoplantonizadores” iluminavam o caminho, ao mesmo tempo em que agrupavam cada palavra criada, eram também instrumentos de aglomerações verbais. Se por alguma coisa ou momento, uma palavra se rebelava e se opunha à formação de outras conjugações adjetivas, eram desses instrumentos a tarefa de revisão e reedição de orações postas em cada caminhada.

Haverá quem afirme que tal instrumento não exista e nem tenha sido inventado, mas como bem foi dito, era do menino criar e inventar. Um dia, numa dessas viagens disse ter encontrado amigos literários com quem manteve diálogos importantes e direcionadores para a decisão que se precisou tomar naquela manhã.

– Esse menino tem manias que me lembram um passado muito presente. Dizia sua mãe, que via no filho a única força de buscar também uma edição sua, passada. E sempre que o via ali em frente à TV, ou na mesa a olhar o prato, como se fosse um jogo de búzios, uma tela de um futuro que ninguém saberia falar, nem em suposições. Pensava então nas lembranças e no não mais menino que estava a criar coisas. Algo naquele espaço era conjunto, mas somente ele poderia entender, afinal era dele, desde menino, saber de coisas que a ninguém mais interessava. Era dele criar histórias, personagens e acima de tudo, palavras. Um criador delas, auto intitulado e pensante… – O Inventador de palavras!

As derivações das ideias do menino, sempre foram à deriva. Nunca houve sistematização de nenhuma nova palavra surgida. Nem sempre saberia ou poderia, nunca teria certeza, ser ou não essa palavra de fato nova. Quem poderia garantir, que em outro canto qualquer, alguém já não a teria feito, ou tido a ideia? Quem saberá falar das palavras sem dúvidas sobre de onde realmente vieram?

– Quem nos garantirá que de Mar, não saiu o Maranhão? Ou não!

Brincava sempre, pensando muito mais além, era a sua busca, numa leitura diária que aumentava ainda mais sua curiosidade, bem como todo o vocabulário abastecido, em cada momento, preso às diversas palavras como sempre se dava. Foi assim desde a primeira vez que experimentou mexê-las numa aula de Fonema e Morfologia, ou outro assunto qualquer, ligado às tantas conjunções alternativas dos dias que sempre lhe mostravam outras verdades. Foi sempre dele querer saber. Desde menino.

Os olhares pequenos dos alunos se encantavam com a professora Maroquinha, que brincava com as palavras, fazendo sempre um complemento em cada intervenção da turma. Feito uma grande repentista, improvisava dentro da língua como se fosse a própria. Nessa mulher, ele começou sua viagem “morfológica e sintética, numa semântica autodidata com o fonema histórico da (*)Nauagramaficia” pessoal”.

A professora Maroquinha era uma senhora dos seus quase cinquenta, em tons de coisas boas, uma (*) “Ontofígie”. Não era natural dali. Tinha vindo numa dessas enchentes raras, que dispersam gentes e conjugam outras. Perdeu o marido e o filho na viagem e a única peça restante do lar, era um dicionário velho e esfarrapado, amarelado pelo tempo e marcado pela dor da (*) Prodoscopiadessa mulher, que viveu outras secas, que ao se encontrar em lugar alheio, sem ninguém, abriu-se em lágrimas no desaguar de uma bela história.

Soube-se também depois, que tinha família nas bandas do grande vale, entre as pedras e rios dos estados de Pernambuco-Bahia-Alagoas, fala-se que por lá morrera seu pai, um desses Ferreiras históricos, desbravadores de palavras e atos, junto com a mãe, mulher forte e faceira, que largara tudo para se aventurar em conquistar palavras por aí, Marias Bonitas. Cresceu em Ato Valente, consciente de que apenas dela dependeria o caminhar na vida. Por isso, desde cedo se deu aos textos literários e à curiosidade de saber o porquê de cada palavra dita. Tinha na carga genética a quem de fato puxar. Desbravadora e Forte que era.

Foi numa aula da professora Maroquinha que o menino se encontrou, o nosso inventador. Numa busca entre os labirintos do mundo, encabeçado por Zaratrustas precoces, Sartres prematuros e Saramagos antecipados. Algo nela o atraía. Terminada a aula, depois de guardar o material junto com a lista de presença dos alunos, arquivava os planos de aulas, bebia agua e saia a fumar um cigarro (rotina diária, dela), catava a bolsa e se despedia um a um dos presentes, uma a uma, em gêneros, era da luta. Passava pelo pátio da escola a falar com todos numa rotina educada e simples. Naquela manhã alguma coisa seria diferente, e ele viu naquela mulher o caminho para saber mais, ela nem o percebia, ainda.

O caminho de volta para casa era simples e sem muita demora, coisa das nossas cidades interioranas, tipo aqui, onde se passa essa nossa história, não é diferente: Tipo assim: cidade de duas ou três ruas. Cabe aqui uma reflexão filosófica do menino:

–  Em si tratando de Cidades e Ruas apertadas, diria assim entre olhares distintos e de vários aspectos que uns são caminhos, outros diretrizes. Citaria provérbios e contaria palavras a decifrar códigos, entre as ruas e as cidades, sem nem sabe-las ou precisar. Às vezes.

Caberia sim uma reflexão de tempos. Não verbais, não usuais, de tempos apenas, que vos conduziria ao (*)Propenilatifundicêndio” das vontades de seguir sempre nessa (*) “Prosodileta” que não é (*) “Razinfazivel”, pois carrega em si o (*) “Truliel” dos tão preciosos momentos das nossas diversas (*) “Tapículas” sonhadoras” e assim sendo, deixo-vos com um (*)Complescente”, e o carinho de um sereno  (*) “Ofinerário”, atencioso e coerente em suas lembranças entre os (*) “Enteclaves”, dessas inevitáveis (*) “Edufações”.

Era dele sonhar, já foi dito. Por isso então, tinha de ser dele, a formação original do Centro Comunitário de Palavras e Verbos Ainda Não Criados – CCPVANC. Associação sem fins nenhum, nem donos, que nada devia àquelas tantas outras, com suas devidas vantagens, proporções e desvantagens. Enquanto algumas se faziam por outros esquecidos, essa se abastecia, por se alimentar das palavras dos futuros (*) “Desesquecidos”, e ainda outras mais palavras, que simplesmente sonhavam em ser palavras. E assim procedeu, criando a sonhar, se perdendo em dialéticas construções… Nada besta esse menino! Me fazendo agora ter que anexar um glossário, para não deixar passar a intenção do seu ato naquela manhã do começo dessa história de (*) “Interpalavrenção”.

Em tempo: Interpondo um pedido à Academia Brasileira de Letras, o menino conseguiu uma autorização provisória por tempo ainda indeterminado, para distribuir em aberto um Dicionário de Invenções Verbais – DIV, publicado pelo Centro Comunitário de Palavras e Verbos Ainda Não Criados – CCPVANC, conforme Ata de Reunião datada de 08 de agosto do ano constitucional de 1988.

Segue parte do dicionário do menino que interessa para este texto:

Dicionário de Invenções Verbais – DIV

Inconscieficente – Pessoa que inventa palavras (Brincador das letras)

Desacebispoconstantinoplantonizadores – Iluminadores, reeditores, encaminhadores…

Nauagramaficia – Ato de escrever disfarçando as palavras (f)

Ontofígie – Figura antiga (f)

Prodoscopia – produção de copias disfarçadas (f)

Propenilatifundicêndio – Combustão muito forte (f,m)

Prosodileta – Conversa boa (f)

Razinfazível – Sem razão nenhuma (f,m)

Truliel – Bornal para coisas boas (m)

Tapícula  – Casa de taipa pequena (f)

Complescente – Um comprimento inocente (f,m)

Ofinerário – Quem escreve em diário profissionalmente (m)

Enteclaver – Prevenir através do som (f,m)

Edufação – Ato de se perder nas palavras, evaporar pensamentos (f,m)

Desesquecido – Aquele que não poderia esquecer nunca. (f,m)

Interpalavrenção – (1) Relação entre duas pessoas com palavras e tempos distintos.

 

Related Articles

Leave a comment