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[VIAGES ALTAMENTE INSIGHT] Carta de um tempo estranho

Ilustração: Germano Rabello

Por Germano Rabello* |

Querido amigo,

Escrevo-lhe depois de muito tempo. Estou muito longe, o mundo se moveu rápido sob nossos pés, ao redor de nós. Não sei onde cheguei. Nem ideia. E você?

Espero que confie em mim o bastante pra ignorar a formalidade, a cordialidade superficial. Dizer do que aperta o coração, do que vai além das aparências.

Foi tanto apocalipse em tão pouco tempo. Tanto declínio e sonho desfeito. Tantas vidas perdidas. Aqui e ali, um raio de sol, estamos todos vacinados agora…. Tirar a máscara depois de vários quarteirões a pé, desacelerar. Respirar um pouco mais profundo, com calma. Você tinha esquecido de respirar.

Mas se você perguntar como estou, talvez eu tenha medo de explicar, ou nem tenha condições de botar em palavras. Porque não tem explicação racional pra tudo isso que passei, e que vai além da pandemia, são histórias tão antigas.

Eu aluguei um apartamento e passei a morar sozinho, sem dividir com ninguém. Achei que isso me ajudaria, mas nunca fui tão improdutivo, escravo de compulsões, autodestrutivo. Tenho dificuldades para organizar e limpar o espaço. Nem consigo cozinhar pra mim mesmo. O preço do aluguel somado ao custo de vida, está me deixando em dificuldades pra pagar o alimento, a diversão… e sobretudo minha terapia, mais necessária do que nunca.

E sei que tem sido doloroso, para cada um à sua maneira. Ansiedade, depressão, síndrome do pânico, desenvolvidas ou potencializadas na pandemia. Somadas às histórias da fragilidade econômica. Cada qual com sua história particular.

Mas entendi também que essa fragilidade é sintomática de uma civilização inteira que está naufragando e produzindo doença e desequilíbrio. Consumindo os recursos do planeta sem calcular as consequências. As habitações onde as pessoas moram são estranhas. A forma como a cidade é organizada é estranha. E ainda por cima, estamos no Brasil, na terra devastada do desgoverno bolsonarista.

Talvez nós sejamos loucos, ou talvez sejamos lúcidos, mas estamos percebendo isso e é importante perceber. A gente vem doente já faz um tempo. Estamos sendo influenciados, imersos em uma sociedade estranha, absorvendo coisas que não fazem bem. Tudo isso doendo mais porque estamos fora do equilíbrio, desde o começo.

Mas a gente atravessa os desertos e abismos. Espero que a gente se encontre, que haja tempo pra conversar. Não precisa que você esteja bem. Tudo bem se não estiver. Talvez eu duvide se você disser que está bem. Ou talvez nem seja necessário dizer nada. Podemos apenas nos abraçar e deixar que nossas lágrimas se reconheçam.

* Germano Rabello (German Ra) é jornalista, compositor, desenhista, faz serviços gerais em arte. Também ayauhasquero em busca de entendimento espiritual.

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