FILHA DO DIABO

Por Isadora Zamarque
Rango Itinerante

Antonela me chamou pra passar uns tempos na casa dela, enquanto eu tentava achar um trabalho na capital. Ela era um tanto sistemática em relação a casa e eu fazia de tudo para não incomodar, deixar as coisas em ordem e limpas por lá.

Protestante que era, fazia orações com sua companheira de fé, Iraci, que morava conosco. Eu me lembro do seu tom de voz, desesperado e afoito, clamando para alcançar o espírito santo. Depois dessas orações, Antonela sempre brigava com Iraci.

Antonela tinha muitas convicções, uma delas é que ela tinha sonhos reveladores, que o próprio Deus lhe contava em foro íntimo.

Uma noite conversando com ela, acabei comentando:
– Tonha, temos objetivos diferentes e caminhos também.

Dias passaram, ela disse que teve um sonho, daqueles. O sonho foi comigo. Valhamideus, fiquei com borboletas no estômago quando ouvi isso. Tonha fez mistério, disse que não poderia contar. Insisti. Ela me revelou que o diabo comandava minha vida.

Aquilo me soou ofensivo na hora, mas então percebi que a Antonela tinha uma fraqueza, ela nunca dizia nada por ela, como numa auto ausência, ela sempre dizia que era Deus.

Eu ainda varria a ofensa pra fora, não queria aquilo pra mim e tentei alertá-la:
– Tonha, não é Deus que te revela essas coisas nos sonhos, é você, você pensa isso sobre mim.

Ainda assim ela resistiu se encarar e comparecer para si. Deus está mais próximo dela do que ela pode imaginar. Veio de mim,veio de eu, de eu. Deus.