‘Destralhe-se’, por Carlos Solano
“Bom dia, como tá a alegria?”, diz dona Francisca, minha faxineira rezadeira que acaba de chegar. “Antes de dar uma benzida na casa deixa eu te dar um abraço que preste!” e me apertou bem forte. Na matemática de dona Francisca, quatro abraços por dia dão para sobreviver. Oito ajudam a nos manter vivos. Doze fazem a vida prosperar.
Falando nisso, vida nenhuma prospera se estiver pesada e intoxicada. Já ouviu falar em toxinas da casa? Pois são objetos e roupas que você não gosta ou não usa, coisas feias ou quebradas, velhas cartas, plantas mortas ou doentes, recibos, jornais e revistas antigos, remédios vencidos, meias e sapatos estragados. Ufa, que peso! O que está fora está dentro e isso afeta a saúde, aprendi com dona Francisca. “Saúde é o que interessa. O resto não tem pressa”, ela diz, enquanto me ajuda a “destralhar”, ou liberar as tralhas da casa.
O “destralhamento” é uma das formas mais rápidas de transformar a vida e pode muito bem ajudar outras terapias. A saúde melhora, a criatividade cresce e os relacionamentos se aprimoram, também ensina o Feng Shui, com a delicadeza própria das artes orientais.
Para o Feng Shui é comum se sentir cansado, deprimido ou desanimado em um ambiente cheio de entulho, pois existem fios invisíveis ligando aquilo que possuímos. Outros possíveis efeitos do acúmulo e da bagunça: sentir-se desorganizado, fracassado e limitado, aumento de peso e apego ao passado. No porão e no sótão, as tralhas viram sobrecarga. Na entrada restringe o fluxo da vida. Empilhados no chão, nos puxam para baixo. Acima são “dores de cabeça”. Sob a cama poluem o sono. Então, se dona Francisca falou e o Feng Shui concordou, nada de moleza!
– 8 horas para trabalhar.
– 8 para descansar.
– 8 para se cuidar, diz a comadre. “E nada de limpar só por onde o padre passa”.
Para liberar os armários, você deve fazer algumas perguntinhas básicas:
* Porque eu estou guardando isso?
* Será que tem a ver comigo hoje?
* O que vou sentir ao liberar?
E vá fazendo pilhas separadas para doar, vender ou jogar fora.
Depois de destralhar:
* Jogue sal grosso nos ralos
* Ponha um prato com carvão no quarto (tira os cheiros e os fluidos ruins)
* Deixe um ramo de boldo em um copo com água para purificar
Para destralhar mais, livre-se dos barulhos e luzes fortes. Cores berrantes, odores químicos, revestimentos sintéticos. Libere mágoas. Pare de fumar, diminua ou elimine o consumo de carne. Termine projetos inacabados.
“Se deixas sair o que está em ti, o que deixas sair te salvará. Se não deixas sair o que está em ti, o que não deixas sair te destruirá”, arremata o mestre Jesus, no evangelho de Tomé.
Acumular nos dá a sensação de permanência, apesar de a vida ser impermanente, diz a sabedoria oriental. O Ocidente resiste a essa ideia, e assim perde o contato com o sagrado instante presente.
Dona Francisca me conta que as frutas nascem azedas e no pé vão ficando docinhas com o tempo. “A gente deveria ser assim”, ela diz. “Destralhar ajuda a adocicar”. E quem sou eu para discordar.
Carlos Solano é arquiteto, mestre em Feng Shui