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‘Cidade em desequilíbrio’

Por João Vale Neto
joaovalesanga@gmail.com
Foto: Ana Lira
Foto: Ana Lira

Recife está na capa da National Geographic desse mês. A matéria é sobre os tubarões e de como a evidente escalada de desenvolvimento trouxe, desde 1992, um desequilíbrio no ambiente desses predadores ao ponto deles virem buscar alimento pertinho da praia. E o alimento deles somos nós.

Recife acordou sem árvores também. Uma poda “descontrolada” matou e destruiu a copa de diversas árvores da cidade.

A Fábrica Tacaruna, um prometido centro de cultura da cidade foi cedida pelo ex-Governador para ser escritório da empresa FIAT.

Isso tudo me vem à mente nessa manhã, as pessoas estão engarrafadas em seus carros, tentando chegar no trabalho. Não há protesto ou manifestação nas ruas. Mesmo assim, ninguém consegue se movimentar. As buzinas explodem, a taxa de estresse sobe e vamos adoecendo dentro dessas “caixas” automotivas que são os carros. Eventualmente, um ciclista – muitas vezes um trabalhador – é atropelado no caminho, retornando para casa. Mas a cidade segue, com seus estressados e seus mortos, como se nada estivesse acontecendo.

Vamos fazer uma Copa do Mundo, vai ser muito bonito. Mas muitas pessoas, por causa disso, perderam suas casas e são tratadas com morosidade e desrespeito por parte do Governo do Estado. Alguns relatam o terror psicológico que é ter que lutar contra o Estado, a pressão que recebem. Mas a Copa tá chegando, afinal. Se eles não vão ter casa, quem se importa? Os movimentos e coletivos se reúnem, coletam mais de 3.000 assinaturas por um motivo “banal”: querem preservar um edifício histórico – ameaçado de demolição – na Avenida Boa Viagem. Um prédio baixinho dos anos 40 que cativou muitos dos moradores da região e de toda a cidade: não é impressionante que no meio de tantos arranha-céus possa existir construções como aquela?

Temos reunião com o Secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga para defender a preservação. Ele nos recebe muito prestativo e simpático e diz que também concorda com a preservação, mas que precisa levar para o Conselho de Desenvolvimento Urbano. No Conselho, diversas entidades votam conosco, pela preservação: o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, Clube de Engenharia, FIDEM, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE, a Ordem dos Advogados do Brasil,o Conselho Regional de Economia, a Habitat para a Humanidade Brasil e a Federação Ibura-Jordão. Vários técnicos e secretárias da Prefeitura votam contrário à sociedade. Entre eles, o presidente do Conselho, o Secretário João Braga. É assim – consonante com o poder privado e em detrimento da sociedade – que a prefeitura vem aprimorando um modelo de gestão que começou quando, na segunda gestão do PT, se permitiu que duas torres fossem construídas no bairro de São José – o que fez que Recife perdesse a possibilidade de se candidatar a Patrimônio da Humanidade.

Esse modelo de gestão permitiu que o projeto Novo Recife, prevendo a construção de doze torres (com quarenta andares e mais de cem metros de altura) tentasse ser implementado no Cais José Estelita. A privatização da paisagem e o aumento da segregação entre ricos e pobres é uma das consequências diretas desse empreendimento. Trabalhos temporários serão gerados, mas a que custo?

É por isso que esse modelo de gestão é chamado de “desequilíbrio”. É por isso que os coletivos e movimentos sociais urbanos estão se unindo: uma busca de equilíbrio. Uma cidade mais justa para as árvores. Uma cidade que em meio aos arranha-céus de Boa Viagem pode-se respirar diante do pequeno Edíficio Caiçara. Uma cidade onde as construções no Cais José Estelita estejam de acordo com a paisagem do bairro de São José. Uma cidade onde trabalhadores ambulantes não sejam marginalizados e tratados como criminosos. Uma cidade com um plano de preservação e de memória – incluindo nisso os espaços populares como o Coque, Ibura, Ilha de Deus. Uma cidade que tenha orgulho de fazer uma Copa do Mundo com alegria e sem tanto sofrimento e desrespeito. Uma cidade que um dia volte a se equilibrar e possamos tomar banho no mar (oxalá!).

Esses coletivos e movimentos foram reiteradamente chamados, por um comentador assíduo do blog do jornalista Jamildo, de “os caranguejos”. Aqueles que teimam em gritar, em se queixar, em dizer que tá errado. Eles correm e se unem para tentar resolver as coisas como podem. Tentam apontar de que as coisas estão invertidas e que é preciso redimensionar a cidade para as pessoas que moram nela. Os “caranguejos”, no entanto, segundo o comentador, devem ser “mortos por uma faca, no córtex”, pois é assim a melhor forma de por fim às discussões sobre a cidade. Nós dizemos que não: que os “caranguejos” da lama e do caos, com suas antenas parabólicas, estão colados por amor ao mangue e à maré, e que vão permanecer juntos, bem juntos, para lutar por essa cidade e pelo seu equilíbrio.

Mais informações aqui!

Leia também: Não é apenas pelo Caiçara, é pela memória e história de uma cidade

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