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Afrociberdelia: Resistência Imperceptível de uma Cultura

01. Maracatu Atômico

Por Irajá D’Almeida Lins Neto*
ciclotrons@gmail.com

Durante o curso de psicologia lancei mão da fotografia como expressão artística e estética daquilo que investigava sobre o ser humano e sua relação com o mundo através da percepção. Utilizando-se da mecânica ótica cujas imagens da realidade são de cabeça pra baixo, cabendo ao cérebro a função de organizá-las inserindo a percepção do mundo no ser humano, intuí que a realidade não passava de um grande jogo de espelhos a criar ilusões em nossas vidas, tendo a fotografia como instrumento dessa investigação.

Longe de trabalhar a fotografia no seu sentido tradicional de registro documental, fui atraído então pelas superfícies de reflexos espalhadas pela cidade a refletir os edifícios através de “poças d’água” e “capôs de carros” que logo me introduziram num conceito científico chamado “Anamorfose Cronotópica” ou “A Quarta Dimensão da Imagem”, que consiste em inserir o tempo na imagem causando-lhe uma distorção.

A inscrição do tempo na imagem fotográfica nos remete às mais variadas formas de percepção da realidade cuja força estética dessas imagens projeta o inconsciente do observador numa viagem fantástica pelo seu imaginário, onde cada pessoa enxerga de forma particular a partir dos seus desejos inconscientes.

A Cidade – Reflexo do Rio Capibaribe
A Cidade – Reflexo do Rio Capibaribe
03. Coruja - Farol de Carro
Coruja / Farol de Carro

 

 

 

 

A busca por um sentido da realidade através da fotografia continuou desta vez nos faróis de carros espalhados pela cidade a partir do “negativo fotográfico” do reflexo da cidade nos cortes transversais dos cristais dos faróis numa abstração criadora de imagens projetivas. (ver imagem ao lado).

 

 

 

Mas foi ao duplicar as imagens dos faróis de carros e as espelhar que se atingiu um padrão estético perfeito de projeção inconsciente. Dobrar a imagem é outra forma de criar “anamorfoses” sem a ajuda de espelhos ou a velocidade do obturador da máquina fotográfica. Com isso estamos “dobrando” a realidade capturada pela câmera fotográfica como possibilidade de refletir o inconsciente através da projeção do imaginário, exatamente como fez Rorschach.

A DOBRA - Farol de Carro
A DOBRA – Farol de Carro

A possibilidade de “dobra” da realidade através de imagens fotográficas ou desenhos são infinitas dependendo do propósito a que se destina o trabalho. No caso de Rorschach ele se limitou a dobrar os desenhos em duas partes por ser esse o número que melhor representa a projeção, semelhante a nossa composição cerebral e seus hemisférios.

No entanto, em termos estéticos, a dobra segue ao infinito em pares: 2, 4, 6, 8, 10…. atingindo o conceito matemático chamado Fractal como constituinte da realidade onde a noção de “pixel” estaria representada no que diz respeito às imagens reais e imaginárias. A matemática estaria então inserida na natureza assim como suas representações filosóficas e artísticas até a percepção de Deus na compreensão do infinito.

A DOBRA - Farol de Carro / Plano de Voo
A DOBRA – Farol de Carro / Plano de Voo

Nesse contexto matemático da natureza e sua filosofia surge a Afrociberdelia, que através da observação do padrão geométrico do pentagrama no núcleo das flores, mais fotografias de folhas de bananeiras e outras plantas “dobradas” foi possível trazer à realidade as mais variadas formas mitológicas de expressão do imaginário humano.

06. A Dobra - Afrociberdelia - Cangaceiro Jedi
A DOBRA – Afrociberdelia / Cangaceiro Jedi

Subjetividade e Cultura

No decorrer dessa pesquisa surgiu um personagem mitológico cujo olho foi possível abarcar toda essa potência infinita da natureza que logo se assemelhou ao Ciclope da mitologia grega que povoa nosso imaginário. Tal vizinhança se transmutou para os dias atuais numa forma cibernética de perceber a realidade do mesmo passando a se chamar Ciclotron.

07. Subjetividade - Ciclotron
Ciclotron

 

 

A subjetividade Ciclotron tem como característica a arte de enxergar a ciência que decodifica o caleidoscópio natural e social. Espécie de mito fundido e fabricado pelas engrenagens das máquinas da modernidade como alternativa ótica para resolver problemas entre natureza e cultura.

O ato de enxergar é uma viagem que diz respeito à varredura que faz o olhar para encontrar os objetos parciais, objetos observados e guardados na memória a espera de uma atualização no presente tal qual o encaixe de uma peça no quebra-cabeça que amplia a percepção.

 

 

 

 

Ver todo mundo vê, mas enxergar é uma construção visual, uma arte. Nessa elaboração para enxergarmos a realidade surgem os mitos como forma de nos percebermos vivos diante da imensidão infinita, dando significado à nossa existência através das potências espirituais internas de perceber o mundo através da visão (O Poder do Mito – Joseph Campbell (1990) – DVD).

Afrociberdelia

Afrociberdelia é a percepção afrodisíaca, cibernética e psicodélica da natureza. Tal percepção aproxima a natureza da cultura, uma vez que ambas são máquinas a produzir desejo. O perfume das flores seduz os insetos que são como máquinas voadoras a produzir fauna e flora mantendo a natureza sempre exuberante. Os padrões geométricos das flores e sua comunicação com os insetos nos conduz a uma percepção matemática e cibernética da natureza enquanto máquinas que produzem um ecossistema. A psicodelia fica por conta das replicações infinitas de tais padrões geométricos em forma de flores num arbusto ou por todo natureza.

Irajá

Podemos assim analisar esse rizoma: a orquídea se desterritorializa em máquina-vespa para atrair a mesma que ao se acoplar na orquídea-natureza se desterritorializa como orquídea-natureza. Ao levar o pólen para a natureza a máquina-vespa reterritorializa ela e a orquídea replicando-a no ecossistema. Tal programa é de uma semelhança incrível com o sistema financeiro que produz nossa cultura, onde “é desorganizando que eu posso me organizar” (Chico Science).

Chico Science foi o primeiro a falar de Afrociberdelia, título do seu segundo álbum, por conta dos batuques dos tambores africanos dos maracatus introduzidos na sua banda de rock Nação Zumbi. Chico tinha o “afro” de “afrociberdelia” como referência afrodescendente, limitando o conceito ao continente africano. Quando na verdade “afrociberdelia” nos remete à percepção eletrônica da natureza como um todo.

12. Chico Science

 

Para além do continente africano Chico enxergou os “caboclos de lança” como criaturas vindas das estrelas com seus aparatos tecnológicos e psicodélicos, fundindo ritmos da cultura popular com o rock elétrico e a música eletrônica numa verdadeira Afrociberdelia dos “ritmos populares” a exalar afrodisia, o “rock elétrico” a produzir cibernética e a “música eletrônica” a distribuir psicodelia.

A percepção eletrônica da natureza rompe com a linha do tempo entre passado e futuro, conectando-nos em um presente cuja natureza sempre foi tecnológica, tendo na imagem dos “caboclos de lança”, dos maracatus rurais, sua representação máxima como símbolo cibernético e psicodélico ao trazer a primavera, a geometria das flores, nos dentes.

 

 

 

Conclusão / O Jogo das Metades

Assim como a arte de enxergar passa por uma varredura dos objetos parciais na memória a fim de se obter uma percepção, uma verdade, um sentido pra realidade, de metade em metade se constrói um mundo tal qual a edição de um filme. Por isso o cinema é tão fascinante uma vez que projeta nossa linguagem mental de percepção e sentido da realidade através dos objetos parciais que compõem nosso imaginário.

Cada observador é o observado no jogo de espelhos que constitui os objetos parciais e suas metades imagéticas. O segredo da aprendizagem estaria então na varredura de tais objetos no intuito de encontrar a melhor peça que se encaixe e forme o símbolo mais exuberante representante da personalidade individual de cada um.

13. O Símbolo - Arte_Ciência_Espiritualidade
O Símbolo – Arte / Ciência / Espiritualidade

Os símbolos e os mitos têm como função projetar um objeto completo que nos representem como seres humanos, mantendo-nos sólidos diante da infinidade perceptiva do mundo e suas imagens projetivas. Tudo é experimental onde certo e errado dependem de um ponto de vista, da uma varredura ótica que irá compor o símbolo a partir dos seus encaixes cuja perfeição irá depender da precisão dos cortes imagéticos de representação humana.

Por isso a importância da infância como fase decisiva na construção das metades a partir da representação de um adulto. A isso chamamos educação: a capacidade de espelhar a melhor parte de si para o outro na intenção de construirmos um mundo melhor. Ajudando a juntarmos os caquinhos do velho mundo na certeza incontestável dos objetos parciais na constituição do caráter humano cuja representação completa encontra-se nos símbolos e nos mitos para além de qualquer fascismo. Porque a vida é um jogo de espelhos que constitui o drama cinematográfico.

Por Irajá D’Almeida Lins Neto é psicólogo especialista em Psicanálise, fotógrafo e designer Gráfico.

BIBLIOGRAFIA

DELEUZE, G. A Dobra – Leibniz e o Barroco. São Paulo. Ed.: Papirus. 2ª edição, 2000.

DELEUZE, G. e GUATTARI, F. 1. Introdução: Rizoma / Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro. Ed.: 34. (V.1: 1995).

MACHADO, A. Anamorfoses Cronotópicas ou a Quarta Dimensão da Imagem. In PARENTE, A. (org.). Imagem Máquina – a era das tecnologias do virtual (cap. II – O Virtual e a Quarta Dimensão da Imagem). Rio de Janeiro. Ed.: 34, 2001.

VIRILO, P. A Imagem Virtual Mental e Instrumental. In PARENTE, A. (org.). Imagem Máquina – a era das tecnologias do virtual (cap. II – O Virtual e a Quarta Dimensão da Imagem). Rio de Janeiro. Ed.: 34, 2001.

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