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[CANTO DE LU] ‘O rock de Brasília e minhas memórias candangas’

Por Lu Rabelo*

1973. Sol em Libra, Lua também! Meio-dia eu nasço em Brasília. A caçula dos cinco filhos de Zé Alves e Carminha, sertanejos do Pajeú pernambucano. Um ano antes minha família havia aportado na cidade em construção. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil, resolveu, junto à minha mãe, aceitar o convite de transferência para a nova capital federal. Após passar no concurso – um sonho realizado – ele havia atuado nas agências do BB em Garanhuns, Caruaru e Limoeiro. Em 1972, foi para Brasília. convite meus dois anos

 

Meus quatro irmãos chegaram lá com 11, 9, 8 e 2 anos. Um ano depois eu vim. Durante cinco anos vivi na quadra 303 Sul, bloco F. Foi em Brasília que aprendi a falar, andar. Minha primeira escola foi o Jardim da Infância da quadra. Passava meus dias brincando lá embaixo, indo à Torre de TV, à piscina de ondas, igreja Dom Bosco, AABB, Parque Pithon Farias, Catedral, Conjunto Nacional, e casa de amigos de meus pais. Fafá (Fátima) era a minha melhor amiga.

As lembranças dessa época são remotas. Acredito até que algumas afloram mais por conta de fotos. Mas outras estão registradas em todas as minhas células, e alma. Como a recordação do que considero o meu primeiro trauma, quando fiquei presa na sala de aula durante uma festinha da escola e quase morro de chorar e gritar, sem que ninguém me ouvisse. Talvez por conta disso, na época, sempre que eu via uma foto minha em que estava só, eu chorava ‘porque a menininha tá sozinha’. Também não podia assistir a Pinóquio, porque era choro na certa.

Muitas lembranças boas! Do doce de leite que comia na Ceasa, da feirinha de artesanato da torre…andar de velocípede na quadra, aniversários no apartamento, deslumbramento com a suntuosidade da Catedral, o meu avô Ciço indo ficar uns tempos conosco (ele quem me consolou no dia em que entrou uma farpa no meu pé), a super festa de 15 anos de minha irmã Silvana, a ida pra Pernambuco nas férias!

Teve também a papeira e a catapora, e o pequinês Luck que uma vez me mordeu. Recordo também que minha irmã Cláudia, três anos mais velha que eu, detestava ir para escola e dava o maior trabalho para fazer as tarefas. Tenho muito nítida a imagem dela aprendendo a muito custo a escrever a letra ‘e’ e eu imitando. Outra lembrança: Mário Júnior. Ele era filho de tia Zelita, amiga de mainha, e diziam que éramos namorados.

Na televisão, amava Barbapapa! Tinha também A formiga atômica, Tutubarão, A Pantera Cor de Rosa, Zé Colméia, Manda Chuva…e uma animação que era uma linha de lápis que se transformava em diversas formas. Eu adorava! Os trapalhões e Domingo no Parque eram os principais programas infantis. Lembro ainda de A mulher biônica e O homem de seis milhões de dólares. Primórdios da geração coca-cola!

na catedral
Passeio na Catedral

Das músicas – além das de Luiz Gonzaga e as de seresta que minha família costumava cantar nas rodas de violão – recordo de Biquini de bolinha amarelinha, A festa do Bolinha, João e Maria (cantada numa versão por Lauro Corona e Glória Pires) hehehe. Não gostava de Romaria. Me agoniava. Hoje penso que devia ser pela melancolia que ela emanava. Outra diversão era ouvir os disquinhos coloridos de historinhas. Passava horas!

velocípede
Em baixo do bloco F, na 303 Sul

Essas lembranças têm me vindo à tona desde que assisti, junto com minha filha de 18 anos , ao filme ‘Somos tão jovens’, de Antonio Carlos da Fontoura. Fiquei meio mexida! Então comprei o livro ‘Renato Russo – o filho da revolução’, de Carlos Marcelo. A mexida então tornou-se bem mais profunda.

naTorre de TV
Na Torre de TV. Eu no braço de meu pai.

Quando pergunto à minha mãe que lembrança ela tem de Renato Russo, nosso vizinho, ela só lembra dele na cadeira de rodas. Meu irmão Fernando, dois anos mais novo que Renato, diz que Renato era muito na dele, não tinham muita proximidade. Também, pelo que relatam, Fernando, conhecido em Brasília com o apelido de Pernambuco, era uma peste. Gostava de jogar bola, pegar o fusca de meu pai escondido (uma vez até capotou), brigar…Teve até que sair do Dom Bosco porque foi reprovado.

Em 1979, meu pai veio pra Recife, trabalhar no Bandepe. A família retorna a Pernambuco, onde vivemos muitas outras histórias…

Mas eis que em 1986, com Dr. Camilo Calazans na Presidência do BB, voltamos a Brasília. Eu tinha 12 anos. Fomos morar inicialmente na 115 Norte, e depois na 114 Sul. Após sete anos morando na praia de Boa Viagem, no Recife, retornei à minha cidade natal. O primeiro mês foi ótimo porque minha prima Lucieni (Mana), um ano mais velha que eu, foi junto! Passamos um mês descobrindo, tirando onda (leseira de pré-adolescentes!) e achando graça! Lá tudo era muito diferente. Foi neste mês que aprendi a dar estrelinha em baixo de um bloco na 115 Norte.

Quando Mana foi embora senti o baque! Tava tudo meio esquisito, muita mudança! Minha alegria era receber as cartas de Mana e respondê-las.

no dom bosco
No Colégio Dom Bosco, Marise fazendo bola de chiclete e eu de costas com os livros na cabeça

A agonia se aquietou quando começaram as aulas no Colégio Dom Bosco. 6ª série! De cara já fiquei amiga de três meninas de pais pernambucanos: Carol, Alecsandra e Marise. E a farra começou! Época de festinhas nas casas dos colegas, paqueras (muitos!), dormir na casa das amigas, ir pro clube, andar nas quadras, se embelezar pra ir pro colégio! Tempo também de escrever diário. E de ouvir rádio! Kátia Flávia e Alagados bombando nas paradas! A moda era tênis Redley e mochila da Company. Não existia internet. Mas tinha o disque-amizade (145), onde exercíamos o papel de diversas personagens.

É nesta época que surge a boate Zoom, no Gilberto Salomão. Quando tomamos conhecimento de uma tal de matinê que acontecia lá todo domingo convencemos nossos pais da maravilha. Lembro do primeiro dia, na fila. Que ansiedade! E que prazer nos dava ir pra lá. Sempre o pai/mãe – ou meu irmão – de alguma de nós ia nos levar, e outro nos buscar. No carro no mínimo cinco pirráias.

Queríamos estar lá todo domingo, mas mainha nem sempre permitia, o que me deixava profundamente amargurada. Nas vezes que ela deixava (e ainda bem eram muitas) a condição era eu ir pra missa antes. Sempre achei missa um saco, mas aceitaria qualquer condição. Implorávamos também para deixarem a gente ficar até um pouco mais tarde no Gilberto, mas não consentiam muito não. Só dava tempo de fazer um lanche no Girafa’s e tínhamos que voltar pra casa. A cada semana vários paqueras novos. MV, Fabrício, Carlinhos, Brinquinho 1,2 3 e 4 (era moda os meninos colocarem brinco na orelha, e aí como não sabíamos os nomes deles os apelidávamos de Brinquinho).

Legião, Plebe Rude, Capital Inicial, Paralamas, mas também Camisa de Vênus, Titãs, Ira, Lobão…Como era bom gritar ‘vão se foder’ em Bichos escrotos, cantar e dançar Até quando esperarEu não matei Joana D’Árc, Melô do marinheiro, Geração coca-cola, Televisão, e o momento mais importante: o som das primeiras notas de Tempo Perdido, que era quando se iniciavam as músicas lentas. Nessa hora o coração disparava e encostávamos nas colunas da boate, ou ficávamos arrodeando o salão. Às vezes éramos chamadas para dançar. Até hoje quando soa a introdução de Tempo Perdido meu coração dispara.

Veraneio Vascaína e Dado Viciado só conheci pouco tempo depois através de uma fita cassete que chegou às minhas mãos.

Alheias aos problemas políticos e econômicos, a gente só queria curtir. E o fizemos bem!

eu marise e lec
Na área de serviço do apartamento da 114 Sul. Marise, eu e Lec.

Aos 14 comecei a fumar escondido, até que um dia, de madrugada, meu irmão Júnior bate na porta do meu quarto e pergunta: ‘Luciana, tu tás fumando é?’ Pelo cheiro impregnado no quarto, tive que confessar pedindo a ele que não falasse nada pra mainha e painho. Ele que começou a fumar aos 11,12 guardou segredo. Foi Júnior também quem me flagrou com meu primeiro namorado (Elton) aos beijos em um dos blocos da 114 sul.

Neste ano (1987) nasceu minha primeira sobrinha, Nanda, que morava em Recife, mas ia sempre nos visitar. Quando ela estava lá, não via a hora de acabar a aula e ir correndo pra casa encontrá-la. Descobri então um outro tipo de amor, o amor de tia, tão grande quanto o que mais tarde descobriria ser o amor de mãe.

Certa vez, num domingo, sem nada pra fazer, fomos eu e Carol andar pelo setor de casas da Asa Sul. Fomos da 714 até quase a 705. Na volta, chovendo, sem uma alma na rua, ouvimos uma voz masculina nos chamando e quando olhamos para trás um homem pelado vinha em nossa direção. Disparamos na carrêra! Corremos umas três quadras sem olhar pra trás, morrendo de rir de nervoso. Ri tanto que me mijei todinha (o que não era difícil de acontecer).

Nessa época soube que havia a função de oficce girl no Banco do Brasil e perguntei ao meu pai se eu podia trabalhar lá. Ele aceitou, e eu fui fazer o teste para admissão. Fiz ótimas provas e entrei! De saia e blusa azul, trabalhava na Diretoria de Crédito Rural, onde também era menor estagiário um cabeludo gente boa que só ouvia som pesado e comia muito biscoito com leite (a gente ganhava dois pacotes de biscoito todo dia!). Tinha também um rapaz de cabelo encaracolado e olhos verdes chamado Edvaldo que era interessante, mas meio esquisito. Nunca esqueço um dia que tive que decorar a rubrica de um diretor para assinar cartões de Natal a serem enviados para todo o Estado dele. Se me pedirem para assinar a rubrica dele, ainda hoje assino igualzinho. Ficou automático depois de rubricar centenas de cartões.

O bom mesmo era ir na lanchonete do banco no horário de sempre, no meio da tarde. Encontro dos menores estagiários! E dá-lhe paquera! Às vezes também lanchávamos na Galeria, um centro comercial subterrâneo.

Foi no banco que encontrei um de meus amores, Luís Ricardo. Ele já era funcionário. Devia ter no máximo 20 anos. Morava no Lago Sul e era noivo. Mas nos apaixonamos! Pouco tempo depois – eu havia acabado de voltar para Recife, em 1989 – ele morreu num acidente de carro na estrada de Belo Horizonte para Brasília. Durante a primeira semana após a tragédia quase endoideço!

Quando fui para o primeiro ano do segundo grau saí do Dom Bosco e entrei no Sigma. O Sigma era um colégio bem mais liberal, a gente fumava até na sala de aula. Lá conheci Angela, outra companheira de descobertas. 1989 foi um ano que não estive nem aí para os estudos. Mesmo sem beber muito matava aula para ir a um bar perto do Sigma ficar conversando, ou ia à casa de alguém.

E foi o ano em que meu pai foi transferido novamente para o Recife. No meio do ano, ao tomar conhecimento da minha situação na escola (eu estava praticamente sem nota em todas as matérias) minha mãe me mandou logo pra Recife, antes mesmo da mudança. Cá estou desde então. Mas antes de sair de Brasília uma sensação me percorreu: senti que um dia voltaria a viver novamente no Cerrado. Será?

Agradeço a ousadia e coragem do movimento musical de Brasília da década de 80. Não participei da gestação, mas desfrutei do sucesso de vocês in loco. As mensagens das letras não me atingiam de forma racional, e sim sensorial. Apenas curtia, cantando e dançando. Não cheguei a ir a nenhum show. Quando chorei para ir no show da Legião em 1988 meus pais não deixaram ‘de jeito nenhum’. Talvez tenha sido melhor assim, diante das doidêras que soubemos que rolou naquele show.

Acompanhei Legião até o terceiro disco, mas os meus preferidos eram o um e o dois. Além de Tempo Perdido (hino!) Índios era umas das preferidas, mas também Daniel na cova dos leões, Quase sem querer, Eduardo e Mônica, Andrea Doria, Será, Teorema, A Dança, Ainda é cedo, Soldados, Petróleo do Futuro, Eu sei, Faroeste Caboclo…Do Plebe Rude: Até quando esperar e Proteção eram as prediletas. Adorava também Fátima e Música Urbana, que eu conhecia cantadas pelo Capital Inicial (nem sabia que eram letras de Renato Russo).

De volta a Recife, em 1989, sem de novo eu saber, um outro movimento estava sendo gestado: o Manguebeat. Mas isso é uma outra história!

* Lu Rabelo é cantadeiraarteterapeuta, jornalista e editora do Portal Flores no Ar.

 

6 Comments

  • Lucieni (Mana) on

    Cinha, fiquei emocionada!! Estou esperando o seu livro, Já dá um! Beijo grande!

  • Luciana, rapaz… Emocionei… A gente morou perto, viveu quase as mesmas coisas na Ilha e veio se encontrar em Recife, puts… Um dia eu sei que volto para o cerrado, quando ainda não sei, mas volto. Fiz o caminho contrário do seu, mas meu coração é candango! Belo artigo! Beijos

  • Lu, quanta saudade…foi um tempo maravilhoso, uma época que só sabe quem viveu…e como é bom resgatar essa lembranças (“…não foi tempo perdido…”). Temos que nos juntar mais uma vez, para conversar e matar as saudades. Um grande beijo!!!

  • Fernando Rabelo on

    Parabéns, Cinha! belo artigo. bjs.

  • paulo enio rabelo de vasconcelos on

    Atenda urgente à recomendação da sua amiga Mana.
    Fazia tempo que não me deliciava com um texto tão bem escrito.
    Aguardo ansioso o convite para o lançamento do livro.

  • Olá Luciana Rabelo, gostei muito do seu texto! Parece que estou na foto do Colégio Dom Bosco com a mochila… Estudei na mesma epóca e tenho umas fotografias… Será que você reconheceria alguém? Me lembro de alguns nomes tais como Francine, Flávio, Leonardo, e Marise também, Me arrepio quando escuto as músicas que você mencionou, inclusive do Plebe Rude, até quando esperar. Saudações!

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