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‘Montando a oficina lieterária’, por Marcelo Mário de Melo

Há pessoas que foram ferradas pela necessidade de escrever, o fogo, a doença incurável do texto que não lhes vai largar nunca, pois não é desenho a lápis sobre a pele, mas cicatriz exposta imune a cirurgia plástica. Escrevem desabafos, impressões, opiniões, historietas, esboços de poema, coisas que não sabem classificar e vão lançando no papel, no face book ou em blogs, estes sucessores dos cadernos de notas. Entre a baboseira, há muito talento cru brotando nessas instâncias.

Em determinado momento é preciso que essas pessoas, geralmente jovens, deem três passos. O primeiro é juntar seus escritos e começar a revê-los um a um.O segundo é colher a opinião crítica de alguém mais experiente nos tratos do texto, repassando tudo. O terceiro passo é organizar um programa de leitura bem centrado. A partir daí se abre o olho crítico sobre o próprio trabalho, monta-se a oficina, trilha-se o aprimoramento e se vai tendendo a um ou outro gênero literário. É um processo lento que exige continuidade. Os que nele se iniciam, ouçam a advertência de Graciliano Ramos em Linhas Tortas:

“Deve-se escrever como as lavadeiras de lá de Alagoas, particularmente as de Palmeira dos Índios, fazem com a roupa que estão lavando”
“Elas começam dando uma primeira lavada. Molham o pano na beira do rio ou do riacho, torcem, molham novamente, torcem, enxáguam, mais uma molhada, outra enxaguada. Em seguida põem-se a bater o pano na laje ou pedra limpa. E tome torcedura: torcem, até não pingar do pano uma só gota. E somente aí é que penduram a roupa na corda. Pois quem escreve devia fazer a mesma coisa. Enxaguar e enxaguar. Palavra não foi feita para enfeitar, como bandeirinha de festa. Palavra foi feita para dizer”

É natural que quem escreve deseje expor os seus trabalhos, publicando, declamando e procurando os círculos literários. Afinal de contas, bebe-se para se ficar bêbado, toma-se remédio para se ficar bom e se escreve para se ser lido. Ninguém escreve para enterrar, como o gato faz com os seus dejetos.

Mas é importante colocar um espelho retrovisor no narcisismo, pôr rédeas nos impulsos à vitrine e valorizar mais aqueles contatos que representam acréscimo de conhecimento e criticidade sobre o nosso trabalho, a literatura em geral e o ambiente literário, tão carregado de panelinhas, elogios fáceis, jogos de pequenos interesses, intermediários, caciques e gurus de todos os tipos e uma galeria de guinés vestidos de pavão, segundo o meu falecido irmão José Fortuna de Melo classificava alguns autointitulados “poetas épicos”.

Assim apetrechado, que cada um siga o seu caminho genuíno. Não um passeio fácil em floresta encantada repleta de gênios na garrafa, fadas e duendes solícitos. Nem um ciclo inatingível como o suplício de Prometeu e sua pedra. Mas um caminho espinhoso, que exige em determinados momentos que se retirem pedras da estrada, se troque um pneu do carro, se reabasteça, se abram trilhas alternativas, se dê paradas curtas ou longas para prosseguir a viagem. Um caminho de semeadura. Um caminho-árvore que dá frutos-livros e muita satisfação aos que os escrevem, assim como aquele que planta, colhe e tem o prazer de colocar na bandeja e no jarro a fruta e a flor.

Marcelo Mário de Melo é poeta e jornalista.
marcelomariodemelo@gmail.com

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