‘Por que celebrarmos a Primavera?’
| Por Deyvid Galindo* |
deyvidgalindo@gmail.com
(Texto publicado originalmente em setembro de 2012)
“Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos…” Beto Guedes
“Olhai os lírios dos campos, olhai os pássaros do céu…” Yeshua
Este mês entramos na primavera no hemisfério sul. Embora desde criança tenha ouvido que não há tanta diferença nas estações em nossa região, por conta da proximidade com a linha do Equador, posso ver tudo florido por aqui, os pássaros parecem que comemoram e onde trabalho as pessoas estão mais abertas, alegres e entusiasmadas (não sei se por conta da proximidade das eleições municipais).
Atualmente costumamos observar menos os sinais do tempo. Temos nos encerrado em nossos redutos, empresas, apartamentos ou casas com muros e barreiras para não vermos o que havia antes de nossas ocupações humanas e isso nos leva a crer que estamos isolados e não pertencemos à natureza. O humano é parte de uma rede, se ele sai de cena a rede continua. Creio que necessitamos conectar melhor com o que somos, natureza da mesma natureza, animais, plantas, minerais, vento, rios, etc., somos manifestação como todas essas. O mesmo princípio anima a tudo.
Se cultivássemos melhor nossa natureza, poderíamos perceber que de março para cá o sol fez um trajeto aparente no horizonte. O ponto que ele nascia se deslocou mais para norte e de junho para cá retornou ao leste. Pois bem, esse movimento da Terra nos leva a recordar que para diversas culturas da Terra (aqui há uma relação com o cultivo da terra) deram fundamental importância a isso em seus ritos, mitos e sistemas de crenças. Os hebreus na lua nova desse mês comemoram o ano novo, os incas também comemoravam por essa época seu ano novo que coincidia com o retorno do sol ao hemisfério sul.
Se observarmos algumas das datas que marcam nosso calendário cristão estão intimamente relacionadas a esses ciclos. O Natal se dá no solstício de dezembro, as festas juninas, com muita consagração são no solstício de junho e a páscoa acontece próximo ao equinócio de março. Essas relações certamente não se deram de maneira aleatória, mas estabeleceram uma continuidade a partir das festividades e marcações pré-cristãs, festivais de colheita, de fecundidade, etc.
Por que celebramos e marcamos esses momentos até hoje? O que a sabedoria dos nativos queria representar ao nos apresentar essas vivências? Estamos tão isolados, tão separados, industrializados, acondicionados, etc. que não temos mais relação nenhuma com a “natureza”? Ou não seríamos parte da Terra e ela parte de nós?
Naturalmente que essas representações e marcações estavam muito relacionadas com o cotidiano e as atividades dos nativos de toda parte, porém de onde vem os frutos, sementes e vegetais que nos alimentamos? Estariam eles fora desses ciclos? E a água que bebemos? E o ar que respiramos? E o próprio sol que nos dá vida e aquece? A vida “moderna” teria nos retirado a possibilidade de comunhão com os outros seres?
Acredito que estamos fazendo um caminho de retorno. Na busca por um reequilíbrio humano com a Terra e de transformação espiritual e social por que estamos passando. Reconectar com os ciclos de tudo é parte desse caminho.
Tudo obedece a um ciclo no Universo. Esse é o próprio movimento da vida. O ritmo de inspiração e expiração, expansão e retração, fluxo e refluxo. Assim é nos organismos mais simples aos mais complexos. Os movimentos micro e macro obedecem a essa mesma correspondência. O ciclo de translação de planetas e estrelas, as fases da lua, os ritmos das marés, e assim uma lista interminável que costumeiramente não damos muita atenção.
Celebrar os ciclos é perceber o nosso estar no mundo, no universo. É nos colocarmos numa posição de reverência e confluência onde passamos a assumir nossa unicidade com tudo que há, mesmo em nossa aparente separatividade. Tornamo-nos assim mais conscientes de nós mesmos e de nossos próprios ciclos internos, dos ritmos de nossa interação com tudo e todos. Reverenciamos e honramos a vida em todos os nossos semelhantes, desde a Terra com seus movimentos, até uma plantinha que nasce no nosso quintal.
Quando olhamos para a manifestação da forma na natureza podemos conectar imanentemente com o que é imanifesto. No que existe percebemos o que É verdadeiramente. Na realidade, temos uma pálida intuição, mas nos enchemos com essa presença desde nosso interior e passamos a expressar isso em todas as nossas relações.
O Equinócio da Primavera nos faz entrar em contato com essa porção de abertura e fecundidade, trazendo para fora o broto da semente que estava aquecida dentro da terra, recebendo a umidade e se preparando para a chegada da luz que a guiará para seu propósito mais alto. As flores são a manifestação da iluminação das plantas e de sua reverência pelo retorno do Sol, é uma oferenda da vida para o Grande Doador de Vida, que representa o Princípio de Vida na Mãe Terra, nosso querido Avô Sol (como dizem as tradições nativas).
Nos abrimos à vida e à abundância da luz novamente, como pássaros mitológicos que saímos da escuridão e proteção de caverna fria contra as intempéries do tempo de fora. Após um período de internamento, recolhimento, hibernação, em que tivemos a oportunidade de encontrar com nossos aspectos que precisam ser iluminados; após um período em que precisamos vivenciar mortes e estagnações, ver as coisas mais lentas, aguardar um pouco, colocar na gaveta projetos e deixar que alguns de seus aspectos sigam com o vento, com as águas; recomeçamos agora, no momento de reequilíbrio, de luz e sombra, força e delicadeza, criatividade e temperança. A criança está de volta. Pode correr pular e dançar, rodopiando com o sol e a lua, em paz com os opostos, se compreendendo melhor.
Celebrar solstícios e equinócios, pois, nessa perspectiva é entrar em sintonia com a harmonia da natureza, que tem um tempo para tudo, lembrando-nos a Grande Lei, lembrando-nos o Princípio, Grande Mãe, Grande Pai, Aquele que É o que É (YHVH), o Sim e o Não, o Alfa e o Ômega, A Grande Alma, da qual tomamos parte e somos constituídos.
Nessa epifania de símbolos e ícones, as estações, as fases da lua, os ritmos internos e externos são versos da Grande Poesia Cósmica ou acordes da Grande Harmonia Celestial, da qual fazemos parte. Somos atuantes e atuados por essas mesmas forças e trazendo-nos à consciência dessa Dança da Vida podemos bailar com mais leveza em meio às intempéries, sem perder nosso centro e propósito, levando amor, pureza e harmonia para os semelhantes, cuidando melhor da nossa Casa Terra, de nossa Casa interna e da nossa criança.
Compreendendo-nos melhor podemos viver melhor e equilibrar o que precisa.
Celebremos, cantemos, dancemos a Vida! Abundância de amor e luz para todos!
Bem-vinda primavera! Yahô!
*Deyvid Galindo Santos é terapeuta holístico, funcionário público e poeta.