Os sapatos, por José Alves de Oliveira
Nunca imaginei que um dia estaria escrevendo sobre um par de sapatos.
Já vi gente escrever sobre o aperto que sofreu com sapatos apertados. Um aperto dos piores que podem existir. Só quem já assistiu a cerimônias, em pé, com sapatos apertados, sabe o quanto isto é terrível.
Mas nem esses que sofreram com sapatos apertados podem imaginar o sofrimento que me causou um certo par de sapatos. Não gosto nem de lembrar. Ainda hoje sinto arrepios.
Eu era ainda um garoto de calças curtas e estava entre os que foram de Santa Maria a Floresta (Sertão pernambucano) para assistir à ordenação sacerdotal do Padre Augusto Carvalho, que mais tarde se tornou Dom Augusto Carvalho, Bispo de Caruaru, a grande cidade do Agreste.
Pobre da minha mãe. Deve ter feito um sacrifício tremendo para comprar esses sapatos. A quanta coisa terá renunciado. Não sabia ela quanto seu menino iria sofrer por causa desses benditos sapatos.
De calças curtas e com sapatos enormes – novíssimo, brilhosos, mas inteiramente fora da moda – vi-me cercado pelos meninos de Floresta. A molecada não me deu trégua.
“Vejam o sapato dele! Tem meio metro de tamanho.” E a roda de meninos ia crescendo, e eu sofrendo a humilhação de estar usando aqueles desgraçados que mais pareciam um peixe que no sertão a gente chama “pacamão”.
Terríveis sapatos. Que bicos! Nunca mais vi – graças a Deus – sapatos tão esquisitos. Num sei como me livrei dos moleques, mas ainda hoje sinto uma coisa estranha quando me lembro desse episódio.
Uma vez sonhei que estava numa festa, e quando olhei para os pés vi os terríveis sapatos. Tive um pesadelo.
Acordei apavorado. Ave-Maria!
