[GERAR ENTRELINHAS] ‘Aquilombar-se é resistir: as Terezas do século XXI’

| Por Patrícia Mello * |
O dia 25 de julho foi instituído pela ONU como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, com o objetivo de homenagear a luta e a resistência das mulheres negras. No Brasil, nesta data, celebramos Tereza de Benguela, também conhecida como Rainha Tereza. No século XVIII, ela assumiu a liderança do Quilombo do Quariterê — situado no atual estado do Mato Grosso — e, por mais de duas décadas, desenvolveu, de maneira brilhante, uma estrutura política, econômica e administrativa exemplar, transformando o quilombo em um símbolo de autonomia, organização e resistência negra no Brasil colonial.
Quantas Terezas de Benguela você conhece ou já conheceu? Quantas Terezas ainda resistem à sua indiferença? O mês de Julho te intima a enxergar o que, no auge do seu conforto, você nunca quis olhar.
Tem uma característica de Teresa de Benguela que eu gostaria de destacar e faz menção a mulheres que encontramos todos os dias: mulheres que, desde sempre, perderam suas vidas físicas, emocionais, suas redes de afeto e suas famílias para que você pudesse crescer saudável e em segurança. Sim, estou falando da sua segunda mãe, daquela que você ama, mas que nunca usufrui dos mesmos privilégios da sua mãe biológica. Por que será que isso acontece? Por que será que ela perdeu o vínculo com a própria família? Por que será que trocou a família biológica para permanecer perto de você? E hoje, ela cuida dos seus filhos! Por que será que você prefere acreditar que é pelo amor que ela sente — e não por todas as perdas que teve de catalogar ao criar você, perdas que agora jamais poderão ser restituídas?
O cativeiro mudou de forma, mas não deixou de existir. Será que não é hora de reconhecer a liberdade dessas mulheres? Será que somos nós, mulheres negras, que ainda temos que lutar contra a sua lógica de pensamento? Chega, né?!
Resistir também significa ter direito a descansar, a se autocuidar, a escolher estar perto dos próprios filhos, da própria casa, dos próprios amigos; significa celebrar a vida junto dos seus — e provavelmente isso não inclui você. Porque você nunca foi uma escolha; sempre foi uma obrigação.
Chegou a hora de festejarmos nosso direito de recusar, de não confundir afeto com serviço, de entrarmos pela porta da frente e de nos apropriarmos do território que nos foi subtraído. De sermos as Terezas de nossas próprias vidas! De nos aquilombarmos, como nos ensinou Tereza de Benguela — mulher que é muito mais que um símbolo: é fagulha de vida para todas nós, que precisamos sobreviver em um mundo que insiste em ser um território minado, que destrói ou fere gravemente a nossa existência… Tereza não morreu: multiplicou-se em nós.
PARA SEMPRE, TEREZA!
Aproveito para convidar as mulheres que queiram se juntar a nós no Grupo de Estudos teórico-vivencial ‘Irmãs do Inhame: Mulheres Negras e Autorrecuperação’, conduzido por mim e pela psicanalista Itanacy Oliveira. Nos reuniremos quinzenalmente, nas quintas-feiras à noite, no Espaço Gerar, localizado no bairro do Poço da Panela, a partir do dia 07 de agosto de 2025. O grupo é voltado para o estudo e vivências relacionadas ao livro ‘Irmãs do Inhame: Mulheres Negras e Autorrecuperação’, da educadora, artista, pensadora e ativista antirracista e feminista bell hooks. Inspirada nas experiências de um grupo de apoio feminino (as Irmãs do Inhame), hooks compartilha estratégias de autorrecuperação e de cura dos traumas, a partir das relações das mulheres negras com seu corpo, com a família, o trabalho e a comunidade, e mostra como a saúde emocional dessas mulheres é abalada por ataques cotidianos de racismo e sexismo.
* Patrícia Mello é psicóloga, facilitadora de SoulCollage®, especialista em Psicologia Social e da Personalidade, arteterapeuta e sócia gestora do Gerar. Possui 24 anos de experiência em Psicologia Clínica e Social.
