[GERAR ENTRELINHAS] Agosto: um convite à reflexão sobre paternidades

| Por Daniela Leal Dantas Vasconcelos* |
Chegamos a agosto, mês que celebra o Dia dos Pais. Há alguns anos, venho observando nos feeds do Instagram um misto de sentidos em torno dessa data: entre fotos legendadas com mensagens de carinho, gratidão ou saudade, aparecem também textos que denunciam a dor diante da negligência, abandono ou violência.
Se, no mundo ocidental, o modelo de família nuclear – composta por pai e mãe – foi historicamente imaginado por corpos hegemônicos como sinônimo de estabilidade e amor, um breve passeio pelas redes sociais nesse período revela os furos desse suposto ideal. E é justamente nesses vazios que sou convocada a analisar as construções de masculinidades na relação com o tema da paternidade.
Como aponta a historiadora Mary Del Priore¹, pensando nos “pais de ontem” do Brasil (título do capítulo de sua obra), até o século XIX, a figura paterna costumava ser sinônimo daquele que simplesmente gerava um filho ou filha. Paradoxalmente, o pai era investido de grande poder, importância e autoridade. Performando a masculinidade patriarcal, ele assumia uma distância afetiva, sendo responsável por transmitir valores culturais, morais e patrimoniais, muitas vezes através da força – entendida como signo de virilidade nessa lógica. Com o passar do tempo, diante dos avanços científicos, das lutas dos movimentos sociais e das mudanças nos direitos da família e das crianças, essa representação foi sendo desestabilizada. Hoje, diferentes arranjos familiares são legitimados, e as denúncias contra os efeitos do patriarcado se tornam cada vez mais audíveis, embora continuem gerando reações conservadoras.
Diante de tantas transformações, observo que a imagem do pai pôde ser cada vez mais ressignificada, deixando de se restringir à figura do provedor austero e passando a contemplar o compromisso com responsabilidades próprias do cuidado da vida de um ser humano. Tudo isso envolve, como nos lembra bell hooks², carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso, confiança, honestidade e comunicação aberta. Em outras palavras: exige uma ação e intenção amorosa, que não combinam com dominação ou violência. Portanto, paternar exige abrir brechas nas normas patriarcais, escolhendo, cotidianamente, outro tipo de qualidade de presença.
Assim, frente às ausências e violências que permeiam as paternidades e continuam a ser escancaradas nas redes sociais, torna-se ainda pertinente promovermos um engajamento contínuo na construção de outros referenciais possíveis.
Afirmo: a paternidade não se limita ao sangue ou à biologia, tampouco a um único modelo de masculinidade. Neste mês de agosto, deixo um convite para a reflexão: que tipo de presença amorosa tem sido possível na experiência de quem paterna hoje? Que imagens têm permeado nossos imaginários sobre o exercício da paternidade? O quanto de amor tem sido cultivado e praticado nesses vínculos? E, finalmente: que caminhos desejamos construir para as próximas gerações?
Notas 1. DEL PRIORE, Mary. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: DEL PRIORE, Mary; AMANTINO, Marcia (Orgs). História dos homens do Brasil. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2013. p. 153-184. 2. hooks, bell. Tudo sobre o amor: Novas perspectivas. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2021, p. 272.
* Daniela Leal Dantas Vasconcelos é psicóloga clínica (CRP 02/21581), com especialização em Psicologia Junguiana com enfoque na prática clínica (pelo IDE) e mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Contato: danilealdv@gmail.com / (81) 9 99985768
