[SABEDORIA DE BRUXA] Yule – o Nascimento da Criança Divina
| Por Lira de Apolo* |
No artigo anterior, O Sacerdócio da Bruxa, eu trouxe a você leitora (uso o feminino universal) o fato de que Bruxaria é uma religião e ser bruxa é um sacerdócio, com ética e valores próprios. Mas religiões também têm ritualística própria e nesta postagem vamos introduzir este assunto.
Bruxas celebram seus rituais em consonância com os ritmos da natureza, alinhadas com os ciclos do sol e da lua. Os rituais do ciclo solar são os Sabats e os do ciclo lunar são os Esbaths. Estamos agora no período do Solstício de Inverno, motivo pelo qual iniciaremos falando dos Sabats.
Falaremos mais do tema do Sabat do que de sua ritualística, pois esta última pode ser encontrada em bons livros sobre Bruxaria, e recomendarei alguns no final deste texto. O auge do inverno também é o início do seu fim, e tradicionalmente é isso que se celebra no Solstício de Inverno, no Sabat Yule, que deu origem ao Natal. Por termos importado as festas do hemisfério norte, celebramos o Natal em dezembro sem nos dar conta de que as luzes que acendemos são celebrações e invocações ao renascimento do Deus Sol.
Contudo, além do hábito de celebrar o Natal e a Criança Divina em dezembro, aqui no Nordeste do Brasil há o fato de que a fertilidade da terra vem das chuvas de inverno, não do sol. Para nós o sol muitas vezes significa seca e fome. Por este motivo muitos de nós rodamos pelo norte e mantemos Yule, o Sabat que invoca o retorno da fertilidade, em dezembro. Mas Sabats não celebram apenas a fertilidade da Mãe Terra, eles têm o papel de nos alinhar às forças vitais de nossa própria alma e garantir que sejamos agentes da pulsão de vida no mundo!
Se você leu atentamente a última postagem sabe que o papel de uma bruxa é ter impacto positivo na sua comunidade. Por esta razão trabalhamos nossas sombras e limpamos o caminho no Sabat anterior a Yule, o Sahmain ou Haloween, e nos esbaths de lua minguante. E em Yule trabalhamos a nossa luz. Por isso a última palavra a respeito da decisão de seguir a roda do ano norte ou sul será dada pelo nosso ritmo interno. Se rodamos pelo norte agora estamos em Litha, pelo sul em Yule.
Litha é o festival do auge da fertilidade em que dançamos em volta das fogueiras e nos banqueteamos com o alimento das recentes colheitas. A semelhança com as fogueiras de São João e as comidas de milho não é coincidência. As festas pagãs (pagã significa da natureza) foram apropriadas pelo catolicismo para facilitar a conversão dos povos pagãos.
Mas respeitando o ritmo dessa coluna que estreou limpando o caminho ao estabelecer o que é ou deixa de ser uma bruxa no período regido pelo Sahmain, que é para nós o ano novo, focaremos em Yule.
Yule é o momento de fazer renascer o nosso Sol interior com todas as suas características de criatividade, fertilidade, bondade, alteridade, compaixão, desejo e alegria de viver. No Sabat anterior estivemos conectados às forças invernais da morte, da sombra, nos conectamos à nossa ancestralidade e nos purificamos de tudo que não é construtivo. Estamos, portanto, prontos para ancorar um pouco mais da nossa luz, simbolizada como a Criança Divina ou Criança da Promessa portadora do nosso Sol Interior, ou seja, a nossa consciência iluminada.
Esse despertar é simbolizado pelo próprio sol com sua luz dourada e pelo pássaro sagrado, falcão, águia ou pomba, que nos pousa sobre a cabeça. A alma humana tende ao despertar do sol interior e almeja por essa realização, que ocorre como um processo de núpcias alquímicas (falarei mais sobre isso no futuro). Os símbolos desse casamento são muito poderosos e mobilizam poderosamente o nosso inconsciente. Tendemos a seguir aqueles que o utilizam e parecem nos guiar nesse caminho. Muitos líderes tirânicos têm distorcido e abusado do uso desse simbolismo, razão pela qual é importante que o entendamos bem para não sermos manipulados por ele.
Para fazer nascer em nós a Criança Divina da Bondade é preciso ter feito um trabalho alquímico, uma faxina interior, através de confronto profundo, corajoso e transmutador com nossas sombras. Aqui no ocidente a supressão de conhecimento foi extremamente violenta. Todo o conhecimento de como fazer nascer o Sol foi combatido e quase perdido, mas, como não se pode deter a chegada da primavera nem a necessidade da psique humana por crescimento, eis que o conhecimento retorna em inúmeras formas.
A Criança Divina é o que nos faz ter compaixão, sentir conexão com todos os seres sencientes. A partir dessa conexão aspirar que todos os seres sejam felizes (como no Budismo) e agir para que não sejam esmagados por injustiças (como no Cristianismo libertário).
A Criança Divina, ou Criança Prometida, é uma potencialidade da alma humana presente em todas as religiões e que sempre incomoda e ameaça as forças mantenedoras do privilégio de poucos. É importante que saibamos, não importa quais sejam as nossas crenças, que forças que sustentam intolerância, opressões e privilégios nunca serão forças espirituais. Em prol dessa consciência procuro tornar meus textos o mais universais possível.
A Criança Divina cresce e se torna um líder, e quanto mais amadurecida estiver maior serão as mudanças realizadas devido à sua presença e atuação no mundo. Esse é o motivo pelo qual as tecnologias (da alma) para facilitar seu nascimento e crescimento tenham sido tão perseguidas. E não só as pagãs foram perseguidas no ocidente, a primeira cruzada foi contra os cátaros que eram cristãos.
Qualquer que sejam as suas crenças, leitora, perceba que embora a consciência empoderada de seu sol (do Divino) possa realizar o que para os demais são milagres, o que há de maravilhoso nela é a capacidade de nos inspirar a buscar o nosso próprio sol e assumir a nossa própria responsabilidade por um mundo melhor. Se você é cristã, como a maioria de nós ocidentais, deixo para sua reflexão as seguintes frases, que você certamente conhece:
“Vós sois Deuses, tudo que eu faço podeis fazer e ainda mais!”
“Toma a tua cruz (responsabilidade?) e me segue!”
Indicações de livros:
Wicca, a religião da deusa, de Claudiney Prieto
A Bruxa Solitária, de Rae Beth
Guia essencial da bruxa solitaria, de Scott Cunningham
*Lira de Apolo é sacerdotisa Wiccan desde 2004. É canalizadora de Arte do Amor, apômetra, arteterapeuta, terapeuta de Frequências de Brilho, Reiki Master, condutora de Círculos de Mulheres, facilitadora dos trabalhos de Sexualidade Sagrada, Consagração do Ventre e do Falo.