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[GERAR ENTRELINHAS] Janeiro Branco: Recomeço e Cuidado

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| Por Camylla Herculano * |

Em janeiro, quando o tempo parece respirar fundo e o calendário ainda guarda o frescor do recomeço, somos convidados a olhar para dentro. É um mês que carrega em si o silêncio das pausas, como uma tela em branco pronta para acolher nossos desejos, medos e potências. Mas será que sabemos pintar nossas histórias com as cores da verdade? O Janeiro Branco é um chamado para descalçarmos as sandálias da pressa e pisarmos na terra firme da nossa existência, ouvindo as canções da vida que, como diria Chico Science, brotam de dentro do caos do nosso próprio mangue emocional.

A campanha Janeiro Branco nasceu em 2014, idealizada pelo psicólogo mineiro Leonardo Abrahão, que se inspirou no início do ano como um momento simbólico de recomeço. Janeiro, com suas promessas de renovação, foi escolhido como um convite para refletirmos sobre nossa saúde mental e emocional, temas tantas vezes negligenciados. A escolha do branco não foi por acaso: uma cor que evoca calma, clareza e, ao mesmo tempo, uma página em branco para reescrevermos nossas histórias. Desde então, a campanha tem ganhado força no Brasil e no mundo, destacando a importância do cuidado integral com a mente e o corpo.

A Análise Bioenergética nos lembra que o corpo não é apenas o templo da alma, mas também o seu narrador mais honesto. Cada músculo tenso, cada respiração ofegante, cada coração acelerado carrega em si a marca das batalhas que travamos em silêncio. Porém, quando nos permitimos ouvir o corpo, ele se torna um aliado na busca pela saúde mental, desenhando em sua expressão o mapa do que precisa ser cuidado, liberado ou transformado. Assim como as obras de Francisco Brennand revelam em cada curva e textura as forças ocultas da criação, nosso corpo guarda, na rigidez ou no movimento, a chave para nossas curas mais profundas. Janeiro Branco é, então, uma oportunidade de abraçar o corpo como um diário vivo, onde nossas emoções se inscrevem antes mesmo de se tornarem palavras.

As cores carregam em si narrativas que atravessam os séculos, e o branco, tão simbólico neste janeiro, fala da pureza do recomeço e da imensidão de possibilidades. O branco é a soma de todas as cores, como se guardasse em si a promessa de que tudo pode ser criado, recriado. Na psicologia das cores, ele é calma e claridade, mas, ao mesmo tempo, é um convite à reinvenção, à coragem de começar do zero. E não há como pensar em branco, aqui no nosso pedaço de mundo, sem lembrar das paisagens áridas e luminosas de Pernambuco, onde o céu claro do sertão contrasta com as emoções densas de seus poetas e artistas.

A cultura nordestina, rica em suas manifestações de vida e resistência, nos ensina que somos feitos de ciclos e de encontros. Assim como o mangue que respira em ritmos de maré, também temos nossos fluxos internos que precisam ser respeitados. Que tal pensar o Janeiro Branco como um manguezal emocional, onde raízes expostas podem encontrar força no caos e no movimento? “É preciso ver a beleza nas coisas tortas”, diria Manoel Bandeira. O mesmo se aplica às nossas emoções. É o momento de integrar, nutrir e encontrar poesia naquilo que, à primeira vista, parece confuso ou fora do lugar.

Na Bioenergética, o movimento não é apenas físico; é um ato de renascimento. Quando soltamos a mandíbula presa, quando liberamos um grito guardado, abrimos espaço para que a vida volte a circular. Janeiro Branco é essa dança simbólica entre o que fomos e o que queremos ser. É o frevo interno, o maracatu da alma, o passo em que o corpo se solta para encontrar seu próprio ritmo. Um mês para olhar para os pés, para o solo que nos sustenta, e perguntar: “Estou caminhando onde minha alma deseja estar?”

E há algo de profundamente poético em pensar na saúde mental como um campo onde cultivamos raízes. Somos jardineiros de nossa própria psique, e cada ato de autocuidado, por menor que pareça, é uma semente plantada. Janeiro Branco nos lembra que cuidar de si não é egoísmo, mas um gesto de coragem e responsabilidade. Quando acolhemos nossas sombras, damos espaço para que a luz brilhe sem medo. E que possamos nos inspirar nos versos de João Cabral de Melo Neto, ao ver a alma como um “cão sem plumas”, que encontra beleza mesmo nas areias do Capibaribe.

Que este mês não seja apenas uma folha virada no calendário, mas um marco em nosso compromisso com a vida. Porque o Janeiro Branco não é apenas sobre tratar dores, mas sobre abrir caminhos para que o corpo, a mente e o espírito dancem em harmonia. Que possamos nos reinventar nesse início de ciclo, tal qual o riacho que, ao encontrar pedras, canta mais alto.

* Camylla Herculano é psicóloga, analista Bioenergética, recifense, pisciana, doutoranda em Memória Social, acumuladora de sonhos, ideias e memória.

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