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[CANTO DE LU] Zuíta, o zamô do Rei do Baião

| Por Lu Rabelo* |

Neste dia 24 de março, Edelzuíta Rabelo, tia Zita, faria 85 anos se cá ainda estivesse. Faz 20 anos que, subitamente, ela se encantou.

Minha mais remota lembrança dela é da gente conversando no telefone, eu em Brasília, com 5 anos, e ela no Recife. Ela gostava de me ouvir fungar. E gostava também do meu sotaque candango. As férias de verão no Recife eram na casa dela. Edifício Nossa Senhora Aparecida, Rua Félix de Brito, Boa Viagem.  Era a casa dela e de meu amado vovô Ciço. Tempos bons. Tempos de infância. De praia, cheiro de sargaço, raspa-raspa. Foi lá que pela primeira vez tirei fruto de uma árvore. O pé de azeitona preta!

Visualmente, minha lembrança mais antiga é ela de cabelos esvoaçados, contudo arrumados, unhas vermelhas, maquiagem, enfeites, salto alto.  Linda e perfumada! Muy elegante! Ficava admirando… Ela era minha única tia que não era casada, nem tinha filhos. E minha mãe era uma espécie de mãe dela. Ela era independente, se bancava bem, e, nos anos 70, era jurada de um programa de TV.

Eu admirava ela demais! Gostava de viajar, de estudar línguas e geografia. Tinha um globo terrestre em casa. Sempre que ia na casa dela ficava brincando com o globo, e com uma agendinha que a gente apertava um botão e ela se abria.  Gostava muito também do telefone laranja. Parecia de ficção científica.

Nos aniversários, ela sempre brincava dizendo a idade errada, pra menos.

Certa vez ela foi pros Estados Unidos, e na volta minha mãe organizou uma performance minha imitando ela chegando de viagem. Vesti umas roupas e calcei uns saltos dela, pintei a boca e as unhas de vermelho, botei os cabelos pra cima e comecei a imitá-la, em inglês.

Eu e ela tínhamos sinal na perna.  E também o constrangimento de sempre mijar nas calças ao rir demais.  Uma herança da mulherada da família.

Transferiu para os sobrinhos e família todo o amor que lhe cabia. E foi muito amor! Chegava constantemente a exagerar nos dengos.

Intuitiva, premeditou cenas da vida dela que viriam a acontecer. E contava isso com respeito ao Mistério.

Eu não entendia muito bem a vida amorosa dela. Nem questionava. Sabia que Lula (Luiz Gonzaga) existia e que era presença eterna. Ela também tentava viver sem ele. Vivenciou outros amores. Mas ele sempre voltava. E ela aguentou muito, inclusive sofreu diversas ameaças por parte da família dele. Quando ele adoeceu, veio morar com ela. Ela não saía de perto dele. Entristeceu muito quando ele se foi. Parecia magoada.

Pouco antes dela morrer, quis gravar ela contando a história dela com Lula. Mas ela tava triste demais com a doença de minha irmã Silvana. Ela dizia que quando Silvana melhorasse a gente faria a gravação. Mas Silvana se foi, e dois meses depois ela também.

Sempre sinto ela por perto quando venta um cheiro de rosas ou gengibre.

Logo que ela morreu fui com mainha à casa dela. Ela morava só desde que o meu avô faleceu em 1983. Foi intenso o que eu e mainha vivemos tirando as coisas dela dos guarda-roupas, separando as coisas para doar… Fiquei responsável pelas papeladas. Achei cartas, bilhetes, telegramas. Não consegui jogar tudo fora e trouxe coisas pra casa. Trouxe também o violão, presente que Lula deu a ela e que eu me dei. Fiquei também com um colar, um amuleto.

Há alguns anos pensei em escrever um cordel sobre a história dela e de Lula, e me veio o mote:
“Foi Zuíta o Zamô
de Luiz Rei do Baião”.

Quem sabe ainda escrevo!

ps: Ao ler este texto, meu tio Carlos, irmão caçula de tia Zita, mainha e tia Deda me escreveu: “Bela lembrança. Foi muito ruim ela ter ido tão cedo. Ela, que passava tempo olhando pras estrelas, pro céu, pra ver se via disco voador…”

* Lu Rabelo, também conhecida como Luciana de Zé de Joana, é cantadeira, jornalista, arteterapeuta, herbalista, editora e guardiã do Portal Flores no Ar.

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