[CONTO] Novo normal

“Vou deixar pra chorar depois”
(Bruno Lins)

Por Daniella Freitas
[ freitas27daniella@gmail.com ]

O cantador afirmava que o tempo presente era o prenúncio de um belo recomeçar e proclamava, repetidamente, que o futuro viria e seria bom. Parecia até provocação. Então não era para viver só de lembranças?

Deitada no sofá. Olhos fixos no teto. Ela buscava forças para recolher as sacolas espalhadas pela sala. Era preciso higienizar e guardar as compras. A música chegava da rua com um volume alto. Fechou os olhos e logo cantarolou o refrão simples que avançava no calendário e exaltava o futuro.

Levou as sacolas para a cozinha e, com um paninho embebido em álcool, começou a limpar os produtos. Os pensamentos não davam trégua. “Onde você gostaria de estar agora?” A pergunta clichê fazia todo o sentido. Ela não queria estar ali. Mas não iria chorar, não agora.

Preparou a própria comida, almoçou e não dispensou a sobremesa. Lavou a louça acumulada na pia, esfregou cada cantinho encardido da cozinha e, ao ver tudo limpo, dançou, recordando a melodia daquele canto novo.

O telefone tocou na hora de sempre, interrompendo a música. Ela não atendeu a chamada de vídeo da mãe. Também preferiu não acompanhar o noticiário.

Suas plantas necessitavam de mais atenção. Cuidou delas. Pensou em cultivar uma pequena horta na varanda. O céu estava azul. Tanta coisa por fazer. Cuidar também de si. Alongar o corpo, hidratar o cabelo, terminar de ler o livro. Não iria chorar, não agora.
O futuro viria e seria bom. Havia ali uma esperança. Enfim.