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[CAIXA DE PANDORA] Quem somos nós bruxas?

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Por Juliana Florencio* |

Ode às Bruxas

Mulheres curiosas
Buscadoras
Que respeitam e honram os mistérios da natureza
Da vida
Que não fecham os olhos para o que não compreendem
Que buscam os sentidos mais profundos
Que veem para além das aparências
Que reconhecem o bem e o mal dentro de si mesmas
E por isso estão despertas
São as Alices que seguiram o coelho e conhecem o País das Maravilhas
São as que confiam na própria intuição
e não se submetem ao que lhes é imposto,
pois amam a liberdade!
São as que usam sua magia (algumas chamam de criatividade)
Para transformar
Transformam a si
Transformam para além
E não desistem quando sentem medo
Pois confiam no Destino que mora em seus corações
E por isso continuam vivas e entre nós
Somos nós?
Feliz Dia das Bruxas!

Hoje é dia 31 de outubro e eu acordei com esta pergunta: ‘Quem somos nós bruxas?’

A primeira imagem que me veio foi a carta de tarô “A Sacerdotisa”, mais especificamente do baralho do Tarô Mitológico.

De acordo com Liz Greene, essa carta pode ser associada à Perséfone, a filha de Deméter. Para a mitologia grega, Deméter é “A Mãe da Terra, regente de toda a natureza e protetora das jovens criaturas indefesas”. (Greene, p.35)

Perséfone, antes de descer ao Submundo, chamava-se Core. Certo dia, Core, ao passear por um lindo campo,  deparou-se com uma exuberante flor de narciso da qual se aproximou. Neste momento, um buraco se abriu na terra e Hades sequestrou a virgem deusa, levando-a para seu reino.

Várias transformações aconteceram com Perséfone no Submundo:

“Aqui encontramos Perséfone, rainha do Submundo, filha de Deméter, a Mãe-Terra, e guardiã dos segredos dos mortos. (…) Hades, senhor do Submundo, apaixonava-se pela jovem Perséfone quando ela colhia flores nos campos, saindo da sua morada para raptá-la. Levando-a para o seu mundo sombrio, ele lhe ofereceu uma romã, e ela aceitou. Ao comê-la, ela participou da fruta dos mortos e, assim, ficou eternamente ligada ao deus. (…) Dessa forma, ao comer a romã, Perséfone deixava para trás a sua infância inocente, tornando-se guardiã desse mundo sombrio e seus segredos.”(Green, p.42)

O “comer a romã” é cheio de sentidos, dentre eles, a vivência da sexualidade e o conhecimento sobre o mal.

Em seu casamento com Hades, Core metamorfoseia-se em Perséfone… A intimidade, o misturar-se, o relacionamento e o ato sexual em si, geram um movimento de aprofundamento, auto-descoberta e transformação. Segundo Jung, “O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação”.

A intensidade erótica das relações afetivo-sexuais potencializa essa transformação – falo de Eros como a força que vincula as pessoas, e pode ser entendido, também, como amor.

Outro sentido do “comer a romã”, é o conhecimento do mal.

A princípio poderíamos considerar este fato como danoso, mas, na verdade, é o contrário… Conhecer o mal, e principalmente o mal que habita em nós, é fundamental para acordar de um estado de ilusão.

O não reconhecimento dos nossos aspectos sombrios, leva-nos a projetar nossas sombras nos outros e no mundo.

Como bem apontou Krishnamurti, “O mal do nosso tempo é termos perdido a consciência do mal”.

Quando não lidamos, ou mesmo negamos, algum aspecto nosso, este torna-se autônomo, potencializado e repetitivo.

De acordo com Jung, “Aquilo que não fazemos aflorar à consciência aparece em nossas vidas como destino”.

O encontro com nossas sombras, e com o sombrio no mundo, é doloroso. Corresponde à fase da alquimia chamada Nigredo que, em uma linguagem psicológica, corresponde à depressão.

Mas, é ao mesmo um tempo um despertar. Um despertar de um sono de ilusões.

O “comer a romã” de Perséfone fala, também, da perda da ingenuidade. Tal perda, muitas vezes, é seguida de um luto – pela inocência perdida -, mas necessária para que o desenvolvimento siga e a maturidade seja alcançada.

De acordo com Melanie Klein, “Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso”.

Perséfone foi raptada por Hades, dessa forma saiu dos domínios de sua mãe – Deméter “a protetora das jovens criaturas indefesas” -, para que, a partir da descida ao Submundo, pudesse tornar-se uma mulher, não mais indefesa, mas apta para cumprir sua própria jornada.

A perda da ingenuidade e o ingressar nos mistérios da vida são etapas necessárias.

É como uma iniciação – como a das bruxas! – para que o destino, guardado no coração, seja realizado.

Para que os potenciais ocultos se desenvolvam.

Para estar desperta e viver profundamente.

* Juliana Florencio é psicóloga, arteterapeuta e terapeuta do Jogo da Areia (em formação). Atualmente mora na região de Stuttgart, Alemanha, onde realiza seus atendimentos.
Email: juflorenciocs@gmail.com

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